16.8.07

Fauna de uma fêmea de 22 anos


Outrora toda sorte
de animal estranho e selvagem
vivia dentro dela,
mas uma febre muito alta
os exterminou.

A febre alta se foi
e ela acordou vazia.
Uivos, rugidos, ganidos,
rosnados, trinados,
tudo havia se calado.
Jaguares, lobos, touros,
tigres, águias, coiotes,
cavalos e graúnas,
Todos silenciosos
e extintos.

O corpo ainda quente,
a pele ainda ardia
como uma queimadura de sol;
No leito adoentado
clamou por sua fauna
mas nada recebeu além
de um beijo no olho
e um comprimido.

9.8.07

Na Eminência (título provisório)


Aqui, na presença de olhos pardos, aqui, na eminência de olhos azuis, enfim, na incerteza de olhos que mudam de cor. Ele abrigava, sob os cílios, um segredo inconfessável. Piscava e se desfazia do último reflexo que os olhos contiveram. Pra onde foi? Ele não diz, é segredo de estado de espírito. Os olhos ruminam, regurgitam o que ele já viu; estão fechados.

Em Copacabana faz um frio estrangeiro. No ônibus, no metrô, nos espaços fechados, sentimos o cheiro de mofo e naftalina exalados pelos agasalhos inutilizados há tanto tempo. Todos têm cheiro de gaveta de avó, todos parecem que acabaram de desembarcar de São Paulo. O hálito de mentol do inverno nos transformou em estranhos bem vestidos. O porteiro me confessa que está usando polainas. Eu acho que é um certo exagero, mas considero a possibilidade de estar subestimando o frio que eu sinto. Em casa visto polainas. Faz sentido, já tinha esquecido como era não sentir frio.

Uma vez eu queimei muito a pele, uma vez eu fiquei muito doente com intoxicação alimentar. Eu não lembrava como era ser tocada sem sentir dor, eu não lembrava o que era sentir fome. Quando eu morrer, quando eu não respirar, eu não vou lembrar da falta de ar que eu sentia quando viva.

C. e X. moram em um país estrangeiro onde a moeda é mesma, mas não vale a mesma coisa; onde falam a mesma língua, mas usam as mesmas palavras. Lá não tem mar, tem um monte de coisas. Mas não tem mar.

1.8.07

O da navalha

Doa suas dores
E dói elas sozinho.
Desfiando a navalha
Com dentes de bronze e prata
Quase não sangra
E se sangra
Sangra frio.
Inalou o suor
Doce do cajueiro
E saiu um dia dizendo
Que ia matar um homem.

Despejou uma cana no pâncreas,
Assolou um quarto de hotel.
Rezando ele me jurou
Que era homem de bem –
Tola que sou, tola que sou,
Eu acreditei.