25.8.09

Volta

Eu me embruteci
Para chegar até aqui;
E agora,
Como eu faço pra ir embora?

21.7.09

O Coro

Às vezes gostaria de matá-lo, apesar de ele já estar morto. Apagar qualquer lembrança da sua existência. Não queria queimar fotos e rasgar cartas, queria que não houvessem coisas para rasgar e queimar. "Como se nada tivesse acontecido". As pessoas estúpidas falam, palavras entre soluços em funeirais, sobre superar. Sobre transpor. Não existe ninguém estúpido o bastante para falar sobre esquecer. Não acredito que melhore, ou mesmo que a natureza da dor mude. É como uma doença crônica, você aprende a viver com ela. Um peso, um saco de tijolos que é remanejado de um ombro para o outro. Ninguém se cura, ninguém supera - você simplesmente cria mecanismos de sobrevivência durante o dia que somem durante a noite quando a escuridão não pode negar a morte.

A morte não perdoa ninguém, nós tão pouco perdoamos quem morre. E ninguém esquece de porra nenhuma.

Fazem seis anos que o meu irmão morreu.

A família reunida era absolutamente deprimente. A sombra densa da sua ausência era mais real e sólida que as paredes que continham os vivos. A sombra dos mortos tem um som, arfa e suspira como o mar na praia. Eu tenho certeza que, ao levar uma concha ao ouvido, ouço o lamento de todos os mortos desde o primeiro homem, sem vozes individuais, um coro único que sempre esteve lá, mas que eu só passei a escutar depois que o meu irmão morreu - o meu irmão, agora mais um harmônico tinindo no coro das almas, amplificado por mil sempre que a parentada triste se reuni.

Meus pais são pessoas devastadas, os longos sulcos sob os olhos da minha mãe talvez sejam tão profundos quanto a cova onde deitaram seu filho. A dor deles, tão grave e inconsolável, constragia a nossa, que deveria, por uma convenção social, ter uma graduação mais branda. No pódio do luto minha mãe ocupava o primeiro lugar inquestionável, meu pai levava a prata e eu e meu irmão dividíamos o terceiro degrau. Minha mãe exibia seu troféu frequentemente.
"Eu, que já enterrei um filho,...."
"Quem nunca enterrou um filho não sabe..."
"Desde que meu filho morreu..."

Era como se ela agora fizesse parte de uma nova estirpe, de uma raça de pessoas amargas que realmente conhecem o sofrimento, que podem falar dele com propriedade, como se ela tivesse tirado um PhD na escrotidão da vida. Ela poderia comparar a sua miséria pessoal com a de qualquer refugiado órfão de Serra Leoa.
"Você perdeu uma perna numa mina terrestre?"
"Você foi estuprada por um monte de estivadores?"
"Você tem AIDS?"

"Foda-se. Eu enterrei um filho."


(Sempre estranhei esta locação tão usada, "enterrar um filho", como se ela própria houvesse cavado a cova e a coberto, como se ainda tivesse terra sob as unhas. Acho que talvez seja uma dessas coisas que são ditas pelo seu efeito dramático. Como se precisasse.)

Meu pai, vivendo com uma mulher que carregava o luto com algo próximo do orgulho, tinha vergonha e culpa de sentir qualquer titica de alegria. E assim era a vida deles, um longo exame no qual pegavam, mediam e estudavam a sua desgraça sob diversas luzes e condições.

A família reunida, pois. É natal. Meu irmão teve o mal gosto de morrer perto do natal e o vulto deste evento se estende, de fade in à fade out, por todo o escroto mês de dezembro. Mesmo se não tivesse morrido em dezembro, tivesse morrido em julho, a ausência dele à mesa seria o bastante para tornar o natal deprimente. Talvez não tão deprimente. Como eu já disse, a junção deste pequeno regimento de pessoas ao qual ele pertencia exacerba a ausência. As reuniões de família são todas deprimentes. Alguém sempre chora.

Depois do almoço fui a praia, eu e meu irmão vivo. Eu fui ouvir o coro dos mortos, o que sempre me acalma, meu irmão foi fugir da nossa família deprimente. Sentados no calçadão, sob o sol infernal de dezembro, abrimos nossas cervejas. Vi um gringo gordo e solitário, o mais branco que eu já vi, reluzir sob o sol tropical. Este seria um dia, pelo mar e pelo sol, em que a praia estaria apinhada de gringos como ele (porém nenhum tão branco), apinhada de famílias grandes e centenas de ambulantes estridentes, que anunciam, aos berros, mate, abacaxi, protetor solar, tatuagens de hena, picolés, tudo que eles vendem muito mais caro para os gringos. Mas hoje é natal. A praia está quase vazia e eu consigo ouvir o unísono perfeito dos mortos. Talvez este seja o barulho mais antigo do mundo.

7.7.09

Pérola de uma reunião familiar

S: Ah, como eu gostaria de ter uma noite de amor com o Roberto Carlos...

C: Com a perna ou sem a perna? Sem a perna é mais barato.

(corta)

19.6.09

Entrevista

No Jornal Vaia:

http://www.jornalvaia.com.br/

16.6.09

O óbvio

O seu rosto cabe perfeitamente entre os meus seios.
Acho que isso significa que devemos ser amantes.

Your face fits perfectly between my breasts.
I think this means we must be lovers.

6.4.09

Deus

Você é as escolhas que você faz -
Deus é tudo que você não pôde escolher.
Então procure o guichê certo
Na hora de reclamar.

J.

19.3.09

Salmo 23

Existe algo que insiste em brilhar,
entre as esquinas mais sujas,
Entre a parcimônia dos heróis.
Existe algo tão sujo que
Destrói a excelência dos santos
E os gritos dos cowboys.
Aqui sob essa marquis
As coisas são diferentes,
tomam formas e sombras
mostruosas.
Tomam cores e sons
assombrosos.
Bem vindo a isso,
pena que não tinha mesa
em um lugar melhor.
By the way,
aqui não pode fumar.

2.3.09

Eu não vim pra ser feliz. Eu vim para aprender - e vencer não vai me ensinar porra nenhuma.

Winning brings no learning, the loser takes the lesson.

21.2.09

Uma breve teoria sobre história da arte

Isso tudo é um chute, quem tiver verdadeiras informações, me corrija:

O que aconteceu com os países colonizados por holandeses? Aparentemente todos os países colonizados por essa gente carrega poucos traços culturais da colonização. No Suriname holandês é a língua oficial, falada por 60% da população, mas divide as ruas com diversos outros dialetos. Mas, que eu saiba, o Suriname é, até onde eu sei, o único caso de uma país de colonização holandesa que manteve características relevantes da metrópole. Talvez o Suriname tenha feito mais pela Holanda: deram o Seedorf para a seleção.

Quais são os resquícios da cultura holandesa em Pernambuco? Além do DNA, sobrou alguma coisa? Não que eu saiba.

A minha teoria: eles não tinham tempo para o Suriname pois estavam ocupados demais pintando bem pra caralho e inaugurando uma das maiores tradições artisticas da Europa - Veermer, Rembrandt, Eeckhout, Hals, etc...E até os pintores "mais ou menos" dessa época, na Holanda, eram fodas.

Vejamos, por outro lado, Portugal. Portugal, um dos países mais bem sucedidos do mundo em matéria de colonização. Conseguiram fazer todo mundo nesse país enorme falar português. Não tem outra língua, na verdade. No Paraguai geral fala guarani. Os espanhóis não mandaram tão bem. A maior parte dos países colonizados por Portugal mantiveram não só traços da cultura portuguesa, como uma relação longa com a sua metrópole, mesmo já não sendo colônias. Imigrantes africanos chegam em levas em terras lusas até hoje.

E cadê os grandes pintores portugueses? Nã0 tem. Tinha ouro, tinha a corte, tinha a Igreja - Tudo o que um país precisa para ter grandes pintores - mas não rolou. Os patrícios estavam ocupados demais com o Brasil para pintar.

A escolha histórica, então:

Pintura = Colonização caída

Azulejaria = Colonização bacana

Faz sentido?

Provavelmente não, mas é divertido.

3.2.09

A Primeira Comitiva

Estamos à léguas e léguas
das pessoas que se importam
com onde estamos -
Essa terra sem memória,
onde as coisas são apenas
os nomes que damos a elas.
Podemos chamar a essa pedra osso,
podemos batizar esse choupo chão.
Eu mesma, em meu tempo livre,
pretendo achar novos nomes
para a minha solidão:
Alergia,
Enfado,
Tigre,
Pão.

Esta é a primeira
De todas as primeiras impressões:
O ar é seco,
O solo é bruto,
A morte é longa,
Mas indolor.
Cada pedaço de chão pisado
Pelas solas dos nossos sapatos
Pode ser chamado nosso.
E essas pegadas
São o planos de projeto
Das primeiras rodovias.
Mande-nos cimento e dinamite,
Legisladores e cofres
Que nós te entregaremos um país.

Eu quero voltar, eu sinto saudades,
A terra é vasta, mas não é quase nada -
O amor é muito maior,
É maior que a soma de todas as coisas
Que eu sou capaz de entender.
Me falta espaço entre os ossos
Para crescer,
Me falta força
Na raiz do cabelo.
Eu quero esquecer
Tudo que já me fez feliz,
Guardar apenas a lembrança
(morna, difusa e imperfeita)
da felicidade em si.



J.