25.9.07

Catumbi

Eu viajo:
malas feitas,
postes passam.
E o doce balanço
da estrada repete:

"O mundo não passa
de um enorme Catumbi".

Em terra estrangeira
conto moedas estranhas
e brigo com o idioma local.
No Hilton de Puerto Madero,
no Red Roof Inn de Memphis,
O Mississippi e o De La Plata
Sussurraram a cantiga -

"O mundo não passa
de um enorme Catumbi".

Em Barbacena
eu estou na fila
para ver uma rosa negra.
Encaro a bichinha
pintada de anilina.
E como um raio
me atinge:

"O mundo não passa
de um enorme Catumbi".

Um dia eu dormi no ônibus,
eu perdi o ponto.
O trocador me sacudiu -
Ponto Final!-

Não deu outra:
Catumbi.

21.9.07

El Califa De Laguahara

O último da triologia em espanhol.

Las fronteras de ese reino
Son dictadas por el viento.
Escorpións descansan
Bajo las piedras.

Una gente nerviosa
De jeribeques* tristes
Camina entre las dunas
Mirando el suelo.

Hacia el este existe
Un bosque de lentiscos** desnudos;
Hasta el oeste
Un pozo dónde las cabras se ahojan.
En direccíon al sur
Un gran faro
Y, al norte,
El mar.

El trono del califa encubre
El inconstante jadear*** del reino.
La gente camina,
El faro brilla,
El mar oscila y canta.

El califa duerme.


_____________________________
*jeribeques - trejeitos
**lentiscos- aroeiras
***jadear - arfar

17.9.07

El Emir Del Bueno Amor

Acho que vou fazer uma triologia de poemas em espanhol só com títulos de autoridades do mundo islãmico. Psicodélico, Borgiano, eu sei, mas eu também li as Mil e Uma Noites.

Entre el desierto
Y el más bello espejismo
Encontrábase el palacio.
Allí él fue bautizado
Y recibió su nuevo nombre
De los labios de una mujer.
(La cortesana de un reino partido)

Lo que él quería saber
No lo fue revelado,
Lo que él quería tener
No podía ser poseído.

Se quedó
Bajo las garras de un tigre:
Un flagelo inútil.
El sol cegó sus ojos,
Las escarpas conspiraban.

14.9.07

Cultura Afro é o Escambau

Eu não costumo escrever textos de não-ficção e, como eu não consigo considerar não-ficção como literatura, eu acabo escrevendo como eu falo.

Cultura Afro é o Escambau

“É mais o povinho...”

A nossa auto-depreciação enquanto povo é tão ridícula que nós queremos dar crédito que é nosso aos outros – eu estou cansada do termo “cultura afro”. Em primeiro lugar porque a África não é um país, e sim um continente, e se referir a ela como uma massa cultural única é, no mínimo, estúpido. De quem estamos falando? Dos negros mulçumanos do Sudão? Dos egípcios? Dos iorubas de Benin e da Nigéria?

Existe um forte movimento hoje de qualificar coisas brasileiras, coisas maravilhosas que pertencem ao nosso povo, como uma representação da cultura africana. Samba não é afro-brasileiro. É brasileiro, ponto, foi feito aqui, não chegou pronto. Muitos dos mesmos povos que desembarcaram no Brasil (todos da costa ocidental da África), também chegaram em outros lugares –Cuba, por exemplo. Lá deu mambo e salsa, aqui deu samba. É lógico que o samba não existiria sem os povos negros, mas também não existiria sem os índios (que recebem tão pouco crédito pela nossa cultura), os portugueses, etc. Será que para valorizar uma cor de pele a gente precisa depreciar uma nação inteira? Porque não se diz simplesmente “cultura brasileira”, o que inclui absolutamente todos nós? Isso é só mais um sintoma da legendária baixa-estima do povo brasileiro – a gente prefere dar crédito a um outro continente do que a nós mesmos (“pra ser bom tem que ter vindo de fora”). E, mais uma vez, a merda da teoria da jabuticaba prevalece.

No Brasil nós estamos tão preocupados em categoricamente “gongar” o nosso patrimônio histórico, que nem paramos para ver o que a gente tem de bom, e como é que isso foi feito. A gente tem que estar aplaudindo Pedro I, que brigou com tudo e todos para ficar aqui, nesse país; mas nós dispensamos esse ato que não demonstra nada além de bravura para acreditar que ele tinha interesses escusos. Nós devíamos estar tirando o chapéu para Pedro II, que sofreu para aprender Guarani. Ele precisava saber guarani? Não. Mas a gente prefere descartar ele como um “banana”. Marechal Rondon é outro. O cara passou a vida inteira tentando estabelecer relações pacíficas com diversas tribos, muitas das quais queriam ver ele escalpelado. Zumbi é outro - um herói brasileiro, não um herói africano. Ele nasceu em Pernambuco, né?

A gente muito que melhorar, mas para melhorar é preciso acreditar nesse país – e acreditar nesse país significa valorizar o que veio antes da gente. E o que está aqui agora também. Quem fala mal de funcionário público? Todo mundo. Quem é aquela gente no INCA, no Itamaraty, na Fundação Oswaldo Cruz? Funcionários públicos. Essa gente dá o exemplo diariamente – e quando você chama a atenção para o bom exemplo ele, muito lentamente, se torna o que é esperado. Enquanto depreciar for mais importante que apreciar, as coisas não melhorarão.



13.9.07

Ghost Buster

Saca só: eu baixei um bagulhinho que deixa eu ver quantas visitas ocorreram no meu blog. Eu sai de casa hoje e tinha 1 (eu mesma), voltei e tinham 6. Cadê essa gente que não se manifesta? Pô, bora dar nome aos bois, pueblo!


4.9.07

El derviche del tesoro triste

Abafando no español...

Bílis espesa
Bílis sucia
Bílis negra envenenada
Lo que entra
Ya no cura,

La sangría es necesaria
El cuchillo
Y el cuenco
La sangría es necesaria

Sangre preso,
Sangre lodo,
Él precisa salir
En el hocico
De un lobo,
En la espada
Del visir.

Efendi, efendi,
Yo destruí un sueño:
Mi derviche
Del tesoro triste,
Mi cariño, mi esfinge.

3.9.07

Alergia

Ritualmente nos ajoelhamos para pedir pelo que os outros nem pensam em agradecer. Diariamente. Nos repetimos, nos enfileiramos e caímos de joelhos. Todo lugar é sagrado, toda hora é hora. Na fila da loja de conveniências, nas salas de espera estéreis, entre animais em pânico e almoços de família. O desespero se vale de qualquer cenário.

Nós suamos de fora para dentro. A pele absorve, a pele multiplica e devolve. A minha alergia forma padrões em alto relevo nas minhas coxas; parecem caracteres japoneses. Os dos braços parecem hebraico. Os da anca, árabe. O meu corpo quer falar comigo mas eu não consigo decifrá-lo. Apenas coço e tento apagar os recados. Quem sabe ler o que está escrito na pele do tigre?

Faz mais de quatro anos que eu tenho essa alergia.

A dermatologista me encaminhou, de cara, para um alergista. O alergista fez testes, descobriu só o que eu já sabia. E deu, depois de três consultas, o diagnóstico formal da ignorância médica: “Deve ser psicológico”.

Eu não fui ao psicólogo, apenas aumentei a dose do antialérgico que eu tomo diariamente. Não tem efeitos colaterais, não dá sono. Mas eu imagino se um dia, pelo acúmulo de anos de antialérgicos, eu talvez me torne estéril, ou desenvolva um câncer nos rins.

Psicológico é o cacete. Depois de quatro anos ainda apresento os mesmos sintomas quando desvencilhada do Hixizine. Que estado de espírito ou enquadramento mental sobrevive quatro anos sem alterações? Eu te digo: Nenhum. No parapeito ou no pódio, eu me coço.

Eu desisti e, no processo de desistir, aprendi a viver assim. Calo o meu corpo com dois comprimidos diários. Alguma coisa vive sob a minha pele. Não posso matá-la, mas consigo calá-la diariamente. E isso é bom o bastante para mim.