6.1.05

Para Johnny Cash

Eu me apaixonei por um homem que se vestia de preto em Nashville. Isso foi antes de você me recomendar a salada de palmito no baixo gávea, quando eu vestia aquele vestido de noiva rasgado e os olhos cheios de uma égua. Depois da anfetamina e das grutas úmidas, depois do algodão que você catou e que teceu as roupas ensangüentadas e moídas do seu irmão. Depois que as águas represadas já cobriam a gruta e os ossos dos índios. Depois de você ver o mundo por dentro e por fora de cercas de arame farpado que, queira ou não, estão sempre lá.

Deus também falou comigo, Ele também me empurrou para a margem segura da janela, mas como você, eu não precisei matar o homem em Reno ou em Madureira, com uma pistola ou com um canivete enferrujado. Eu queria que você tivesse me visto, mesmo quando você já estava cego, levaríamos magnólias para o túmulo da mulher que te salvou. E, se o vento não roubasse as minhas palavras, eu te diria o quanto você teve sorte.

Eu aprendi sobre o amor, eu segui aquele rio também, meu Deus, quase me afogou. Eu aprendi sobre todo o ódio que existe em todo coração, sobre todo o ódio negro que se desolve em poças mornas e confusas, como a terra que se transforma em lama, lama entre os dedos dos pés.

Aquele amor de Deus, pelo qual imploramos tão banalmente, a misericórdia que a bala tem por nós na roleta russa. Eu joguei, aprendi a ter fé em quem dá as cartas, sempre sabendo que o jogo não termina até todos abandonarem a mesa.

Eu, como meu ás de espadas e o de ouros, nas encruzilhadas, eu aprendi sangrando sobre a dor por trás de todas as coisas belas, sobre as coisas belas por trás de toda dor. E eu sei que um dia, em um dia que durara para o resto dos dias dos que ficaram, eu vou passar por baixo da cerca, com a barriga no chão, com a cabeça erguida, para ver a estrela que você se tornou.


J.

4.1.05


Série Casais Disfuncionais - I  Posted by Hello