30.12.04

Comédias Românticas







Qualquer psicólogo recém formado poderia explicar a minha aversão a comédias românticas como um simples demonstração de desesperança amorosa, associada ao trauma do divórcio dos meus pais. Mas, às vezes, um charuto é só um charuto e, muitas vezes, um filme idiota é só um filme idiota. Milhões de coisas podem justificar a idiotice das comédias românticas. Primeiramente, todas se baseiam em uma série de chavões dramáticos que contaminam tudo, desde a construção dos personagens até o roteiro e os movimentos de câmera. Basicamente a estória se desenrola previsivelmente entre cenas românticas e reflexões cômicas sobre as situações que surgem ao redor do casal ou casais (muitas vezes empecilhos que retardam o inevitável final feliz, quando os espectadores choram e os protagonistas se beijam ardentemente). Inevitavelmente, o final feliz é antecedido de uma compreensão maior sobre o amor (eu o(a) amo!) e um gesto impulsivo, gerado por uma paixão desenfreada. Entre esse podemos encontrar:
1 - Pegar um avião para reencontrar o amado em uma cidade distante (Paris é um dos destinos mais visitados pelos amantes desesperados).
2- Uma corrida frenética até o lugar que selaria o final infeliz dos amantes (uma Igreja, um aeroporto, a residência de um(a) outro(a) pretendente).
3- Qualquer ocasião que envolva um discurso feito por um dos protagonistas, que é interrompido pelo seu amante e aplaudido pela platéia comovida.

Os personagens também se dividem em previsíveis categorias:


1- O sujeito durão e solitário que é incapaz de admitir seus sentimentos amorosos pela sua amante (Esse papel também pode ser desempenhado por uma moça amarga).

2- O mulherengo com uma forte aversão que está inepto a fazer qualquer tipo de compromisso para com sua amante.

3- O casal apaixonado separado por força maior (famílias incompatíveis, diferenças religiosas, filhos de outros casamentos, geografia).


É muito comum que no começo do filme o futuro casal se odeie o que, no final das contas, se revela apenas como uma demonstração do futuro e imensurável amor. Eu conheço muitos casais que se amavam e passaram a se odiar, mas nunca presenciei o inverso. Vai ver que as pessoas com quem eu convivo não sejam normais, pelos padrões cinematográficos.

(...)

De modo geral a minha opinião não se eqüivale a da maioria dos espectadores de filmes ou programas de televisão. Um claro exemplo disse seria o meu comportamento frente a programas relacionados a cadeia alimentar das tundras ou savanas. Eu nunca torci pela caça ("Oh, pobre coelhinho! Corre! Corre do lobo!!") e sim pelo caçador ("Pega! Quase! Pega!"). Porque? Me parece que a vitória do lobo é muito mais gloriosa e bela que a do coelho. Ninguém torce pelo capim quando ele está prestes a ser devorado pelo pascal herbívoro (até porque "corre, capim, corre!" seria um tanto quanto ridículo).

(...)

Eu choro assistindo comédias românticas. Eu me sinto uma idiota por chorar, pois eu sei que a vida não é como os filmes. Eu choro por que eu queria que ela fosse.



J.

21.12.04

Livros lidos esse ano:

1. Le Premier Amour - Samuel Beckett
2. As Mil e Uma Noites - (noites 1-3)
3. Kisses and Parachutes - Erica Jong
4. Poems - D.H Lawrance
5. Me Talk Pretty One Day - David Sedaris
6. Perto Do Coração Selvagem - Clarice Lispector
7. Bob Dylan - Antony Scadutto
8. Sappho´s Leap - Erica Jong
9. Romanceiro Gitano - Frederico Garcia Lorca
10. Plays- Oscar Wilde
11. Deadeyed Dick - Kurt Vonnegut
12. Franny and Zooey - J.D Salinger
13. A Grande Arte - Rubem Fonseca
14. Breakfast At Tiffany´s - Truman Capote
15. Chronicles - Bob Dylan
16. Poems - W.H Auden
17. Festas Galantes - Verlaine
18. Wasteland and Other Poems - T.S Eliot
19. Fruits and Vegetables - Erica Jong
20. Dylan´s Visions Of Sin - Christopher Ricks
21. Poemas Reunidos - Dylan Thomas
22. O Movimento Romântico - Alain De Botton
23. Sobre O Amor - Alain De Botton
24. Salmos, Samuel e Isaias
25. Sentimentos Vastos e Pensamentos Imperfeitos - Rubem Fonseca
26. A Dictionary Of Arabic and Islamic Proverbs




J.

20.12.04

Trago A Pessoa Amada Em 3 Dias


Na sala de espera abafada uma multidão de tolos doentes de amor aguardavam em pé, muitos com as costas suadas contra a parede recoberta por um papel de parede horrendo (cor de burro-quando-foge e marfim, padrões geométricos e pequenas flores). Uma senhora, usando uma maquiagem pesada que falhava em ocultar sua idade, olhou para ela com os olhos nervosos como o de um cavalo logo antes de uma disparada. Roía as unhas, descascando o esmalte vermelho, uma lasca vermelha estava presa em um de seus dois grandes dentes da frente. O homem ao seu lado suava em profusão com suas sobrancelhas salgadas congeladas em duas curvas ascendentes que quase tocavam-se no meio de sua testa enrugada. Seus olhos traçavam um percurso exato com paradas pré determinadas - a lâmpada, o relógio e suas mãos.
As revistas estavam dispostas em um cesto de vime em um dos cantos da sala, mas ninguém parecia nem pensar em folheá-las. A energia inquieta e triste daquele quarto era capaz de contagiar qualquer um que ali entrasse e ela, como os outros, pós as costas contra a parede e esperou que uma voz, qualquer voz, chamasse o seu nome. Todos esperavam, pagando trinta reais para alimentar uma esperança moribunda que secava seu recipiente patético e pequeno.
A mulher que roía as unhas foi a primeira a ser chamada. Quando sumiu pela porta suas unhas já não carregavam qualquer vestígio do esmalte vermelho.
Mas tarde a mesma voz a chamou, decidida, seca, impaciente. Antes de entrar seus olhos se cruzaram com o do homem mas foi como se ele não a houvesse visto, logo ele fulminava o relógio com se lhe implorasse algo.

(...)

No primeiro dia fez tudo o que lhe fora aconselhado: amassou 15 pétalas de rosas carmins e brancas num prato nunca antes utilizado, arranjou uma meia calça desfiada , arrancou 10 fios de seu cabelo e comprou uma garrafa de vinho tinto. Escreveu o nome dele, com um batom vermelho, num pedaço de papel arrancado de uma das cartas que ele lhe mandara. Levou tudo para uma encruzilhada, numa grande bandeja de prata, e quando bateu meia noite despejou um frasco de seu melhor perfume em um círculo ao redor de sua oferenda e acendeu um fósforo. Depois cantou, chorou e dançou em volta do círculo de fogo.

No segundo dia acordou feliz. Pintou as unhas, depilou todos os pelos de seu corpo. Passou cremes no cabelo, cobriu seus olhos com finíssimas fatias de pepinos geladas, consultou revistas de beleza, descoloriu o buço. Costurou um vestido com pérolas, neblina e penas. Fez a sobrancelha, ouviu canções de apaixonados, jurou nunca mais tomar coca-cola, ficou o dia inteiro sem comer e, ao encarar em um nu solitário no espelho, a noite, jurou estar mais magra. Escovou os dentes com bicarbonato de sódio. Antes de se deitar, a noite, banhou-se por horas com conhaque morno e jasmins ouvindo Ravi-Shankar. Não conseguindo dormir, tomou um Valium.

No terceiro, estava acordada antes do dia. Sentia-se como uma virgem antes do sacrifício, cega pelo reflexo do sol num punhal de prata. Sentada na cama vazia, esperava que a luz do dia rompesse completamente aquele fim de madrugada azulado e frio. O dia se fez, abafado e de céu cinza. As horas passaram, horas gastas com últimos retoques, com detalhes mínimos, com uma esperança que morreria por último porque a mataria primeiro. O telefone não tocava. Ouvia sons imperceptíveis ao ouvido humano, corria até a sala para abrir a porta, revelando apenas um hall frio e vazio. Ia para a janela e pensava: "Um dos próximos 10 carros que passarem será o dele". Contava os carros. Decidia que tinha sido muito precipitada, seria um dos próximos 20. Ao fim da tarde já tinha contado mais de 300 carros, excluindo ônibus, táxis e vans. Esses não contavam.
A noite do terceiro dia demorou uma eternidade para chegar, mas chegou cedo demais. Com o peito vazio e os olhos molhados, alimentava uma amargura capaz de acinzentar todo o mundo. O que antes era boa vontade ela agora chamava de burrice, o que era fé agora chamava-se ingenuidade. O que era amor continuava a ser tudo.

A esperança é a última que morre por que nos mata primeiro.

J.




9.12.04

O status atual não é muito bem definido. Chega a ser inteiramente indefinido, sem qualquer status. Existem, basicamente, coisas que aconteceram e coisas que estão prestes a acontecer, já surgindo na curva, já projetando sua sombra comprida no meu presente e no meu futuro. O Limbo não é promissor, por isso não chamaria o não-status-atual de limbo. Mas alguma coisa está chegando, está chegando faz muito tempo.

A vida acontece em três dimensões diferentes:

  1. As das coisas que você está fazendo - essa é, quando não se encosta com as outras duas, a dimensão das coisas mundanas e prosáicas. Você pega o ônibus, você vai a praia, você lê um livro e sai pra comprar cigarros ou raspando as axilas. As novelas pertencem a essa categoria, os ruídos pavorosos que o rádio produz, as fotografias de família penduradas nas casas de estranhos. Nada de mais.
  2. A das coisas que você deveria estar fazendo - As resoluções de ano novo, os planos trancados em uma gaveta para qual você perdeu a chave. A eterna dieta interrompida por bombons, as horas a serem gastas com trabalhos inglórios desperdiçadas na observação de sombras na parede. A consulta com o médico, a alimentação saudável, monogomia, confissão de domingo, vitaminas, sinceridade, tirar a maquiagem antes de dormir. Você nem sempre faz isso mas você sabe que deveria estar fazendo, ou melhor ainda, coisas que os "outros" acham que você deveria estar fazendo. Essa categoria se divide entre resposabilidades e baboseira politicamente correta. Cada um sabe o que é o que.
  3. A das coisas que você queria de estar fazendo - A mais elusiva de todas. Para algumas moças é o vestido branco, para alguns são muitos zeros a serem gastos com a manutenção preguiçosa de um iate e, em alguns casos extremos, estar vestindo um belo terno de pinho feito sob encomenda. Fama, dinheiro, atenção, uma impressiora que funcione. Dar a volta ao mundo, emagrecer, engordar, casar, dar para o Tiago Lacerda, batizar um filho, torturar o chefe, discursar no senado, cheirar cocaína, dissecar um sapo, ouvir música muito alto, ser votado a pessoa mais sexy do mundo pela revista People ou ser enterrado numa cova sem lápide. Tudo vale.
A felicidade (essa palavrinha tão desgastada por livros de auto-ajuda) é o encontro dessas três dimensões, a encruzillhada de todas essas estradas que correm paralelas. Quando você está fazendo o que você deve e gosta de fazer, se é feliz. Claro, é raro e quando termina é uma merda, mas existe sim. E dane-se quem comeu o seu queijo, alcançar isso está fora do seu alcançe. As vezes a vida te dá umas cartas que são uma merda e não tem muito o que fazer mesmo, apenas esperar a próxima rodada e esperar que a sorte lhe sorria.

J.

Foto que não é atual mas poderia ser Posted by Hello

Essa foto foi tirada pelo Milton Montenegro, no ano retrasado, eu acho. Não mudei nada.

Auto retrato de cabelo comprido Posted by Hello
Uma de muitas pinturas .....