26.10.05



São Sebastião Me Ama


São Sebastião me ama
Amarrado na árvore
Minha mãe diz que ele tem
pinta de viado,
o santo.
Ele sangra.
Por quem?
Pelas putas na Atlântica?
Pelos travecos da lapa?
Pelas popozudas do baile?
Por Cartola e Noel?
Pelos bêbados de plantão?
Pelos pastores da universal?
Pela mata replantada?
Pelo mestre salas?
Por quem esse santo,
Com pinta de viado,
por quem diabos ele sangra

?Eu não sei, eu não sei
Por que eu fiquei aqui.
Eu que digo não ter lar,
Eu que detesto praia,
Eu que te odiei no 170,
Eu que te vi morrer em Bangu,
Eu que quis te deixar para sempre
Quando estava em Minas.
As suas ordas de vascaínos,
A torcida no fusca,
A cidade partida
Quando a partida começa.
Eu que jurei ficar
No batidão no salgueiro,
Eu que vendi meu voto
Para a mãe loura.
Eu que te cantei
Atrás da banda de Ipanema:
Bêbada na Vinícios,
Fumada na Farme,
Com febre em Madureira
Vomitando Copacabana.

Vi meu amante ir embora
No aeroporto da bicha voadora
( dá azar falar o nome do puto )
E dei a ele uma medalha
De São Sebastião:
Lânguido com suas flechas,
Com o rabo contra a árvore.
Parece até gostar de sofrer,
Que a minha mãe diz,
ter pinta de viado.

Ele guardou a medalha.
Ele levantou os olhos azuis
De estrangeiro mistificado,
E me sorriu e disse
"A sua cidade é linda"

Então tudo se resume a isso:
Minha cidade.

Talvez eu vá pra Minas.

23.10.05


Românticos e Cafajestes

Se ele se disser sensível
Tenha muito cuidado
Ele não é, mas sabe
Que isso talvez te agrade.

Se ele se disser romântico
Diga que você não toma banho.
Dê pra ele no ato
E dê um número falso
Ou peça que ele conte
Uma piada bem suja.

Se ele disser que te ama
Beije-o para que cale a boca.
Se ele disser que está em contato
Com seu lado feminino
Ria bem alto, deboche.

O último romântico
É um cafajeste disfarçado
Sob quilos de poemas melosos
Sob arrotos educados.
Homem pra mim,é só homem.
E eu gosto deles assim.
Bebe, fuma, xinga,
Belisca a minha bunda.
Diz que eu sou gostosa.
Me vence na queda de braço
Me protege se for preciso
Não berra, não fala alto.

E se chorar na minha frente
Enxuga as lágrimas e fala grosso
"Porra, quanto poeira
Tem um cisco no meu olho".

E quando algum dia
Ele tirar os tecidos ásperos
Ele será só meu, pois só para mim
Ele se revelou tão frágil.

J.
Até Então
I



Alguma jóia eu quero,
Discreta, destoada, imune à escuridão.
Quero lavar as suas cartas
Até que fique tão brancas, tão
Limpas para serem reescrita.
Me conte dos lugares
Aonde você sentiu saudades minhas,
Não me interessam os entre postos,
A localização dos telefones
De onde você não me ligou
Mas pensou em mim o bastante.

Escancarando as rajadas de um raio
Que se divide em cinco sóis,
Engasgando com a fumaça
De um cigarro suspeitamente doce,
Entre a pedra, a foice
E sacrifícios tão medonhos.
Eu sinto uma dor irradiada
Pelo peso da minha cabeça
Atravessando ombros, espinha
E as asas amputadas
Das minhas omoplatas.


Até então eu era Essa
(muito prazer)
com um cachorrinho aninhado em minha barriga.
Fez tanto frio aquele dia.
(Muito prazer)
(Eu adoro frio)
II
Desvairando-me entre caixas de papelão
E poeira peluda aglutinada
à lã cinza e alérgica.
Vertendo os sete cantos da tarde,
meus nervos se ramificavam
como rios cruéis, borbulhando
sob a carne desprotegida.
Quero alguma droga
de amnésia sinestésica
para me livrar do mundo
que o seu cheiro carrega.
Leve-me a um arquipélago de estrelas
Onde os homens enchem a boca de pedras
e os cabelos das mulheres param de crescer.
Leve-me onde as ostras crescem
Nas costas de morenos largos,
a terra aprisionada nos cantos dos olhos
das putas de centrais paranaenses.
Os dedos se cruzam, pequenos,
atrás de promessas grandes.
Quinhentas notas de vinte
na encruzilhada, cachaça.
Boa sorte, até agora,
só preciso, boa sorte.
J.

Olheiras


"Olha só, olha aqui."
"O que?"

"As olheiras, olha só. Toca."
"Tô vendo"
"Toca."
"Eu não quero levantar."
"Olha, quando eu puxo essa pele para baixo aparece mais ainda."
"é"
"Toca."
"Depois."
"Mas não é só a marca escura. Os meus olhos ficam profundos também."
"Os seus olhos são profundo."
"Mas ficam muito profundos..."
"Os seus olhos são muito profundos."
"Profundos no sentido de intensos?"
"No sentido de fundos nas órbitas."
"é por causa da olheira."
"Os seus olhos são profundos."

(...)

"Você gosta?"
"Do que?"
"Do meu olho."
"Eu gosto dos dois. Juntos."

43 Perguntas Inúteis


1 Quando foi a última vez que você chorou? Ontem, missa de sétimo dia.
2 Você já fingiu estar doente? Claro.
3 Qual foi a última mentira que você contou? Disse a um amigo que ligava de volta pra ele quando eu na verdade não tinha nenhuma intenção de fazê-lo.
4 Já chorou vendo um filme? Sim.
5 Qual foi o desafio mais doido que você aceitou? Mostrei os peitos pra um sujeito.
6 Quantos anos você tinha quando beijos alguém pela primeira vez? 11
7 Você já passou trote? Claro! O clássico do açougue. Liga pra algum lugar, e, se for uma mulher que atende, pergunta: "É do açougue?" Ela vai dizer "Não" o que é replicado por "Então porque que eu estou falando com uma vaca?"
8 Você já disse "Eu te amo" sem que fosse verdade? Sim, por gratidão.
9 Você acredita em Deus? Sim.
10 Você acredita em Karma? Não.
11 Do que você tem medo? Aranhas. Morrer sozinha.
12 Qual a pessoa em quem você mais confia? Eu.
13 Qual foi o maior elogio que você já recebeu? "Você faz um negócio muito sexy com a boca quando você sopra a fumaça". E "Você é uma grande compositora. Não, na verdade você um dia vai ser uma grande compositora."
14 Qual foi a coisa mais horrível que alguém já disse pra você? Eu acho que "Você engordou, hein?" é sempre péssimo.
15 Qual o seu ponto forte? Assertividade.
16 Qual o seu ponto fraco? Responsabilidade.
17 Qual a primeira coisa que você pensa quando acorda? Depende. De ressaca: Como eu cheguei em casa? Sem ressaca: Que horas são?
18 A última coisa que você pensa antes de dormir? Tomara que eu consiga dormir.
19 Quem te faz rir? Meus amigos. Os irmãos Marx.
20 Você já viu um morto? Sim.
21 Você já quebrou algum osso? Sim, diversos.
22 Bebida favorita? Cerveja.
23 Você já jogou Strip Poker? Já.
24 Você já roubou alguma coisa? Já.
25 Você lembra dos seus sonhos? Às vezes.
26 Você já saiu na porrada com alguém? Sim.
27 Qual pergunta que você odeia que te façam? "Pode repetir?"
28 Você coleciona alguma coisa? Cartas de baralho que eu encontro na rua.
29 Quantas chaves no seu chaveiro? 9. É, eu sei, é chave pra cacete.
30 Qual o seu segundo lar? Casa da Maria, ou qualquer hotel.
31 Flor favorita? Rosas vermelhas, jasmins.
32 Qual sua palavra favorita? Volúpia. Weary.
33 Qual a sua palavra menos favorita? Forúnculo.
34 O que te estimula, criativamente, emocionalmente e espiritualmente? Arte. Ser correspondida.
35 O que te desestimula? Discussões ou debates sem propósito. Lenga-Lenga.
36 Qual seu palavrão preferido? Caralho. Fuck.
37 Que barulhos ou sons você ama? O vento soprando em ruas vazias. O barulho da latinha de cerveja, ou refrigerante, quando abre.
38 Que barulhos ou sons você detesta? Alarme de carro ou despertador, telefone tocando. Freio do ônibus.
39 Que outra profissão você gostaria de exercer? Tradutora.
40 Que profissão você não gostaria de exercer? Legisladora.
41 Cheiro preferido? Gasolina. Cheiro do pós-coito. Suor de cavalo.
42 Cheiro que detesta? Vômito. Cerveja velha.
43 Se o Céu existe, o que você gostaria de ouvir Deus dizer quando você chegar lá? Você fez o que você tinha que fazer.