20.11.05

Essa é de outros carnavais....Pequenas sereias. Da esquerda
pra direita: Marina, Eu e Bebel.

Avenida Brasil



Uma garota distribui panfletos ultra-comunistas na Avenida Brasil, em seus dedos ela veste anéis que pertenceram a uma czarina russa que durante a revolução fugiu com um príncipe judeu da Galiléia e os dois se refugiaram na pequena casa de um padeiro francês que fabricava farinha em um velho moinho que a noite servia de cenário para os encontros secretos de dois jovens amantes parisienses, e foi lá que eles foram assasinados por um ladrão assustado que nunca mais conseguiu dormir e que ao ser enforcado deixou sua amante, uma cigana que lia o futuro, grávida de 7 meses. Ela deu luz a uma criança cega que tateou pelo seu mundo de trevas até se casar com um chefe de polícia inglês corrupto que aceitava propina de uma dupla de contrabandistas italianos que eventualmente se esconderam em algum país abaixo do trópico de câncer onde conheceram um mendingo que implorava por gorjetas pelos seus atos inconcebíveis, até que finalmente ele bateu de cabeça na sargeta e estrebuchou em uma performace que foi apenas assistida apenas pelo seu fiel vira-lata que uivou por 49 horas seguiidas e depois saltou em um ônibus aonde foi carinhosamente adotado por um senhor de 62 anos e a sua respeitável senhora, que estavam a caminho da respeitável cidade de São Paulo onde encontrariam sua filha, uma garota de olhos caipiras embaçados que estava casada com um anão gago que era um influente sociopata e trabalhava como jóquei no hipódromo local, da onde foi despedido depois de um incêndio pelo qual ele foi culpado mesmo que todos soubessem que a verdadeira culpada era uma velha cujo marido havia pago por grande parte das reformas nas arquibancadas da onde um velho jogador assistiu seus últimos centavos evaporarem no suor de um cavalo fraco que cambaleou até a linha de chegada e morreu aos pés de um poderoso executivo que fumava um charuto Monte Cristo e soltava cada baforada contra o rosto de sua jovem esposa que contava os segundos até o último suspiro dele e finalmente cansada de esperar contratou os serviçõs de um matador de aluguel que retornou mil pratas mais rico para casa onde sua amada aguardava a grana que nutriria o seu vício em champanhe, e os dois beberam taças de ponta cabeça e cuspiram da sacada acertando um homem que corria para a estação de trem com um guardanapo cheio de números em sua mão esquerda, ele resolve pegar o metrô e desce pelas escadas passando por um homem negro e barbudo que toca um saxofone prateado que reflete a imagem distorcida de uma criança que berra o nome de sua mãe em plenos pulmões até ser abordada por um policial gentil que, com um sorriso branco, se abaixa e acalma o menino com as mesmas palavras que ele ouvira de seu pai antes de ele dar no pé com uma mulher 20 anos mais nova e agora, vinte anos depois, ela vende rosas de plástico no Saara e um homem velho compra 14 dessas rosas e as entrega a mulher que ele tem amado por 40 anos enquanto sua esposa escreve um bilhete de despedida que ela entrega ao caseiro que olha para o envelope enquanto o cachorro late alertando a presença de uma estranha que chora no portão segurando um telegrama respingado pelos primeiros pingos de uma chuva que havia sido anunciada pelo homem do tempo que agora se senta em uma grande cadeira de couro observando as sombras que passeiam pelas paredes e pelo retrato de uma menina que receberá uma notícia triste por telegrama e que terá que achar um homem que passeia com uma mala cheia de notas de 10 pratas que serão gastas em uma passagem sem volta para Honolulu onde outro homem observa a chuva que bate na janela depois de acordar de um pesadelo no qual seu filho caçula fugia de casa e era atropelado por um carro de bois, mas foi só um sonho e ele vai até o quarto do filho que de fato passeia ileso pelas ruas até se deparar com um bar aonde uma garota bebe uma taça de vinho barato e contemplao noticiário na TV que narra a estória de um senador que lavava dinheiro em um banco no Rio de Janeiro onde, neste exato minuto, um garoto vestindo uma camiseta com a imagem de Che Guevara observa uma garota distribui panfletos ultra-comunistas na Avenida Brasil.

J.

7.11.05

- Sobre Eu e Jorge -

Quando ele veio à minha casa pela primeira vez ainda não havíamos nos beijado, por mais que eu desejasse isso e por mais que eu temesse esse desejo. Temia que ele me decepcionasse, lutava contra a arquitetura das minhas expectativas, que erguia pontes frágeis entre os nossos lábios toda vez que eu o olhava por mais de dez segundos.
Então, depois do jantar, eu e ele estávamos sentados em meu quarto, cada qual em uma cadeira com rodinhas, que guinchavam protestando contra os movimentos mais sutis. Ele olhava fascinado pelo mistério vulgar das traquitanas sobre a minha bancada: um cachorrinho de porcelana, um apontador na forma de um isqueiro, fotos Polaroid desbotadas. Tocava tudo com relutância, como se lhe fosse proibido, examinava tudo, buscando as razões funcionais de coisas meramente decorativas. Eventualmente se satisfez com sua averiguação e descansou o azul de seus olhos em mim enquanto eu explicava a origem de um bibelô de cerâmica que a pouco lhe parecia muito interessante. A estória se desenrolou, longa, improvisada e sem inspiração enquanto ele se concentrou no colar que eu usava. Era uma espécie de seta retorcida, uma adaga prateada adornada por círculos. Ele me interrogou sobre o pingente, quase como se me testasse. Eu lhe disse o que eu sabia (que era somente o que a pessoa que havia me vendido o colar me dissera): era um símbolo viking, celta, eu não sei, e representava o vento, associado a liberdade, a possibilidade de independência inerente ao espírito humano, custou cinco reais e eu achei bonitinho. Ele deslizou sua cadeira em minha direção, segurou o amuleto entre os dedos vigorosos, virando-o em diversas direções, um sorriso torto meio debochado em seus lábios. A buginganga vagabunda, que fazia um tempo já estava prestes a se partir, resolveu fazê-lo entre os dedos dele. Sem estalo, um corte limpo, bem no meio da seta. Segurando a metade da seta ele se desculpou em tom formal e educado, como mero protocolo desprovido de arrependimento ou embaraço. Você pode colar de volta, ele disse, e eu mais uma vez mencionei o preço ridículo, a procedência mixuruca e o significado questionável. Ele pôs a metade da seta sobre o tampo de vidro da bancada e sugeriu que fossemos dar uma volta.
Naquela noite, entre acácias, em uma rua deserta de calçada esburacada, ele me beijou. Talvez tenha sido eu que tenha beijado ele, mas duvido. Mas nunca mais falamos sobre o amuleto, sobre símbolos aéreos, vikings ou celtas, ou significados formulados por vendedores de bijuteria.
J.


4X Mac




Deixe me contar sobre meu irmão postiço. Marty McRevels. Mac. As estórias que fragmentam perante os meus olhos, que o fazem completo na minha memória. Eu reviro os olhos para dentro para ver o Mac, já que foi lá que o enxerguei a maior parte das vezes. Magro, tão alto, tão magro, alto. Os óculos e o chapéu eterno, imóvel, que ele se recusa a tirar. Nem para comer. Porque, se afinal de contas, ninguém mais usa chapéu, as regras de boa conduta atrelada a eles também devem ser extintas.

1. Mac é supervisor da filial de uma rede de supermercados chamada “Inglês”, na Carolina do Sul. Um dos principais problemas encontrados pelo supervisor de um supermercado, qualquer supermercado, é o furto. A maior parte das vezes, ele me diz, são os próprios funcionários do estabelecimento que passam a mão em uma coisinha ou outra. Mas um funcionário da filial do Mac começou a ficar folgado, saqueando as prateleiras inconsequentemente. Em um supermercado de uma cidade minúscula não existe muito sobre o que os empregados conversarem quando saem para fumar um cigarro. Então entre baforadas nervosas só se discutia a identidade do ladrão. Mas Mac sabia quem era o homem que ele viu pelo circuito interno de segurança, e um dia, enquanto o elemento em questão empilhava caixas no estoque, Mac se aproximou dele, silenciosamente, se divertindo com o nervosismo do ladrão ao vê-lo. Mac rosnou, balançando a cabeça em negativa e dirigiu-se ao rapaz: “Sabe, esse ladrão está começando a dar prejuízo. Quando eu descobrir quem é o filho da puta eu não vou só jogar ele porta afora, como vou dar uma porrada no desgraçado. Eu juro, eu sou capaz de dar um tiro no filho da puta. Quando eu encontrar esse babaca vou arrancar a orelha dele fora com uma mordida. Vou por fogo na porra da casa dele. Ele vai me fazer perder o meu emprego, o escroto” O ladrão se borrou, olhando o chefe dele ameaçando uma vida, que por acaso era a dele. Conclusão: O sujeito nunca mais roubou nada e o Mac se divertiu horrores com tudo isso.

2. Mac encontrou outras formas de se divertir com seu trabalho chato: Seu chefe, um ex-fumante recalcado, seguia a risca a regra que impede qualquer um de fumar nas dependências do Inglês. Mac muitas vezes desobedecia essa regra (desobediência é algo inerente a personalidade dele) e em algumas dessas vezes foi flagrado pelo chefe furioso, que abanava os braços, enxergando Mac através do vidro de sua sala. Mac presa muito seu salário e parou de fumar no supermercado, o que não o impediu de fazer com que o chefe achasse que ele fumava. Cortou diversos canudos brancos, do tamanho cigarros e, sentado, com os pés para cima (para efeito dramático de folga), levava o canudo aos lábios finos, em uma perfeita tragada performática. A performance era calculada e ocorria sempre sob a supervisão desaprovadora do chefe, que abanava os braços nervosamente , “como uma galinha tentando decolar”. Mac respondia com uma manifestação cínica de incompreensão, a testa franzida, os ombros erguidos, as palmas das mãos viradas para o teto coberto por lâmpadas frias. Isso acarretava uma marcha zangada do chefe, de sua sala até o lugar onde Mac estava, acompanhada por ameaças e um dedo indicados que se movia tal qual um pêndulo frenético. Conforme a distância entre os dois diminuía, a reprovação do chefe se transformava em dúvida e ridículo. Mas Mac não se alterava, não ria, não zombava, simplesmente inquira humildemente o motivo da bronca, e o chefe, envergonhado, virava de costas, sem dizer nada – momento aproveitado para uma risada contida do meu irmão.

3. Foi o Mac que me apresentou a música de Hank Williams, que eu amo tanto hoje em dia. Hank é um dos ídolos dele, um herói de coração ressentido e indomado, de vida breve e confusa. Mac foi visitar o último endereço de Hank, Oakwood, um cemitério em Montgomery, no Alabama, acompanhado de uma namorada e um violão. Pos um pé sobre o mármore branco esculpido na forma de um chapéu de cowboy, similar ao que ele mesmo usava, tirou o violão da bag, e, em um momento importuno, começou a cantar “You’ll Never Get Out Of This World Alive”, escrita por Hank. O momento era inoportuno pois um cortejo fúnebre choroso se arrastava lentamente por trás dele. A namorada de Mac tentou interromper a canção o chamando, pedindo que ele parasse, o que se provou inútil frente ao determinado tributo de um verdadeiro amante da boa música country. As pessoas do cortejo olhavam o alto homem magro, cantando (muito bem, o Mac canta muito bem) uma canção irônica sobre a inevitabilidade da morte. A raiva, confusão e choque das pessoas do cortejo só era menos intensa que a vergonha fulminante que coloria em vermelho a face da moça que acompanhava o dono da voz que cantava “You’ll Never Get Out Of This World Alive”

4. Eu fui para o Memphis, Tennessee, acompanhada por Mac e mais alguns outros caipiras. Ficamos todos hospedados em um hotel, Red Roof In, em uma beira de estrada. Cada qual em seu quarto, mas não antes das 4 da manhã, até essa hora estávamos todos na suíte do Mac, tocando, cantando e bebendo. Eu havia vindo do Brasil para me juntar a eles e fui recebida por uma comitiva de americanos que me adotaram, encantados por uma menina de 14 que sabia xingar como um marinheiro de 56. No final da noite todos cambalearam pelos corredores mal iluminados do hotel, procurando seus quartos em meio a uma quantidade de escadas e portas atordoantes até mesmo para alguém sóbrio. Sobraram eu, Mac e a namorada dele (outra). Sendo eu a mais nova, a estrangeira, e a irmã, Mac quis me escoltar até meu quarto. Eu, teimosa (era mais teimosa ainda aos 14) recusei, e ele, teimoso (tão teimoso quanto eu aos 35), me seguiu sem que eu visse. Passei pela porta de um quarto que estava aberta, e de lá surgiu um sujeito baixinho, de cabelos curtos, bêbado, me encarando. Não me encarou por muito tempo, pois logo estava tentando me agarrar enquanto eu empurrava. E quanto mais eu empurrava o desgraçado mais ele me agarrava. No auge do meu desespero eu ouvi uma voz familiar atrás de mim esboçar um tímido “Hey, cara. O homem que me agarrava parou e olhou o estranho alto de óculos escuros (ele havia perdido o seu outro óculos de grau) e perguntou a ele, me segurando pelo braço “Ela é sua namorada?”. Mac esboçou um sorriso e disse, com calma, “Não”, o que o sujeito tomou como uma autorização para continuar a me agarrar. Antes que eu pudesse berrar “Porra, Mac!” ele chegou mais perto: “Não é minha namorada. É minha esposa”. O sujeito olhou pra ele, ele olhou pro sujeito, que murmurou qualquer coisa e tropeçou para dentro de seu quarto. “Porra, como você é teimosa!Viu como era melhor eu ter vindo com você, sis?”


J.

5.11.05

Eu escrevi uma canção country. É uma canção country por que fala das coisas que canções country falam. Álcool, amor perdido, misérias emocionais. Essas coisas. Eu escrevi para um amigo, meu irmão, que mora na South Carolina, cantar. O Mac. Mac é a maior figura de todos os tempo. Bem, a música conta a estória tão conhecida de um sujeito que enche a lata com uma frequência assustadora, o que eventualmente faz com que a mulher dele lhe dê um pé na bunda, que ele reconhece ser muito merecido. O que ele faz? Entra pro AA, tudo isso, pra tentar ficar sóbrio e ser novamente aceito pela moça. Mas não termina bem.


Sadly Sober

I don't remember the last time I saw ya,
But I recall waking up on your steps.
With the sun on my face, a bad headache,
and the suitcase that you packed.
I knocked on the door, but I had no answer,
just heard your footsteps fade.
I guess you were busy, I guess you were cleanin',
All of the mess that I made.

Sadly sober,
and another day older,
Sadly sober,
wake me up when it's over.

After I felt from our thorny nest,
I was a bit lost, I confess,
Stumblin' drunk, down in the dumps,
I really oughta give myself a rest.
I figured I should try
To walk a straight line,
Try to clean up my act.
Maybe that way, maybe someday,
Baby, you'd take me back.

Sadly sober,
and another day older,
Sadly sober,
wake me up when it's over.


I gave up my late night roamin',
Gave up my morning scotch.
All 12 steps, I did my best,
To regain what I'd lost
Your love was worth it, your love would take me,
Across the widest river.
And for the sake of the love I craved,
I'd keep a healthier liver.

Sadly sober,
and another day older,
Sadly sober,
wake me up when it's over.


So now here I am, a brand new man,
with a heart that still beats for you.
I came to find, to my surprise,
that you found someone to see ya through.
By your door, there was you,
the beauty that made me go dry.
I gave you my number, I held you hand,
and I kissed you goodbye.

Sadly sober,
and another day older,
Sadly sober,
wake me up when it's over.



J.

4.11.05

Olha yours truly aí! Foto tirada pelo Alexandre Lima.
Ai, que coisa mais egotrip, eu tô um nojo desde tirei essas fotos.