Enquanto ela dormia, ele cambaleava pela sala. Ela não dormia, na verdade. Seus olhos dormiam, seus lábios, suas mãos; mas os ouvidos mantinham a vigília incômoda.
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Ele tropeçou nas minhas botas, me xingou em um murmuro. Depois bateu com um dos joelhos contra a mesa de centro e amaldiçoou cinco gerações de jacarandás. Entre a sala e o banheiro, antes de fechar a porta, se amaldiçoou também.
As paredes do banheiro eram todas cobertas por azulejos brancos com flores. Uma flor, um cravo cor de rosa, por azulejo. Enquanto urinava uma coisa estranha aconteceu – reparou que um azulejo estava de cabeça para baixo. Olhou ao redor (e, inevitavelmente mijou toda a privada) em busca do par daquele azulejo, pois não fazia sentido que ele fosse o único invertido. Examinou o alto das paredes e depois, de quatro, os espaços entre a pia, o bidê e a privada. Era irritante como o incomodava a solidão do azulejo errado. Aquilo era patético, mas não tão patético quanto o genuíno sentimento de solidariedade dedicado à flor invertida. Neste momento pensou em acordá-la, mas não o fez.
Ele tinha certeza absoluta que esqueceria de tudo quando acorda-se, com gosto de cinzas na boca, no dia seguinte. Comeu tendo certeza que não lembraria de ter comido. Tudo que aconteceu, desde o momento em que ele chegou em casa até o segundo em que dormisse, seria sumariamente obliterado. Essas horas eram livres, destinadas ao esquecimento. Assim devem ser as últimas horas de um homem condenado à morte.