17.12.05

www.clariceestapartindo.blogspot.com

Estou postando o meu romance, Clarice Está Partindo, aos poucos nesse novo blog. Visitem, e espero que gostem!

J.
Foi Humphrey Bogart que nos levou até lá¡. E quem diria, chegamos em casa!

As jóias haviam sido roubadas e as gargantas secas reclamavam,

Os ouvidos pediam "ROBERTO CARLOS BRAGA!"

E assim se fez.




Sua Estupidez

Meu bem
Meu bem
Você tem que acreditar em mim
Ninguém pode destruir assim
Um grande amor
Näo dê ouvidos à maldade alheia
E creia
Sua estupidez não lhe deixa ver que eu te amo
Meu bem
Meu bem
Use a inteligência uma vez só
Quantos idiotas vivem só
Sem ter amor
E você vai ficar também sozinha
E eu sei porque
Sua estupidez não lhe deixa ver que eu te amo
Quantas vezes eu tentei falar
Que no mundo não há mais lugar
Prá quem toma decisões na vida sem pensa
Conte ao menos até três
Se precisar conte outra vez
Mas pense outra vez
Meu bem
Meu bem
Meu bem
Eu te amo

Meu bem
Meu bem
Sua incompreensão já é demais
Nunca vi alguém tão incapaz
De compreender
Que o meu amor é bem maior que tudo
Que existe
Mas sua estupidez não lhe deixa ver
Que eu te amo

Roberto Carlos Braga




J.&P.

12.12.05

Cena

Para o Pedro Dulci, que não gosta muito de poesia.

Externa
Luz sem dia.

Grande angular.
A mulher de lábios fúxia
Lúbrica brinca com a mangueira.
Corta para o homem no canteiro.
Zoom in no jardim,
Lento fade out negro.

Externa,
luz da tarde sem fim.

Plano sequência, estrada.
Parada, uma caminhonete.
Flash, flash back.
Crianças correndo,
Num parque lamaçento,
cheio de merda de pombo.
Volta, estrada, parada.
Fuma um cigarro antes da chuva,
Pisa com a galocha azul.

Externa,
Dia sem luz.

Nilo Amado e Seus Cantores de Ébano
-Canção de Ninar.

Ela:(entra, fecha a porta.)
Ela:(sai, a porta aberta.)
Ele:(não segue, não chora.)
Ele: "fecha a porra da porta"

Corta.

J.

Sussurro Surdo

Sussurro surdo.
Da pólvora sobre a pele
Que a ferida se feche,
Sem fazer barulho.
Sussurro surdo,
contra ouvidos alheios.
Sob o sol eu aceno
Derradeiro adeus ao guerreiro.

Toda estrada leva
Quem quer ser levado.
A lágrima quente escorrega
Na esquina esquerda do lábio.
Toda estrada leva,
pra onde ela seguir.
A distância da volta,
desejo do novo partir.

Bato na porta errada
Digo que volto mais tarde.
As grandes verdades,
são mentiras mal contadas.
Bato na porta errada
Eu sei que não moro aqui.
Mas vai, me deixa cair
no sofá da sua casa.

E eu espero passar
Eu saio em vão
Desperdiço o batom
Em quem não se importar
Eu espero passar
o que nunca passou
de tragédia sublime
de um mero pastiche
de uma canção de amor.

J.
Saber De Nada

Rainha do karaoke,
parada, copo em punho,
pernas sabor de canela,
que ela abre no escuro.
Garota avaliada
em 10 kilos de rubis,
ovelha desgarrada -
o pastor não está aqui.

Num trapézio, numa torre,
Numa super estrutura,
ela cai e quebra a asa,
e perde o jogo de cintura.
Um passarinho verde,
pousado em seu ombro -
Um gole é para sede,
outro é pra Santo Antônio.

Ela não sabe mais
Voltar para casa -
Ela não quer mais
saber de nada.

Saiu para comprar cigarros
(esqueceu que não fumava)
Já estava muito longe
e não sabia onde estava.
Cigana nata no exílio,
o seu destino é surdo,
Não ouve os seus reclames
e te leva pelo mundo.

Agora anjo trajando jeans
E óculos escuros
Uma carta em seu bolso
Dá as costas para o mundo.
Um batom e um espelho
Numa beira de estrada
Pinta os lábios, esconde o medo
Que cobre a boca pálida.

E agora ela respira
Algo mais leve que o ar,
Fecha os olhos e faz mira,
Leva o que acertar.
Pensam que ela esqueceu
Mas nada se perde nela -
Veja olhos escancarados
E as unhas amarelas.

E ela não sabe mais
Voltar pra casa.
E ela não quer mais
Saber de nada.

J.

Sobre Lençóis

Sob lençóis,
entre os sonhos
que sonhei
sobre lençóis
Entre as verdades
Eu te afronto
Com o desejo
Como nós

Entre espécies
Mal servidas
Nas bandejas
Do bufê
As amantes
Mal comidas
Que não sabem
Seu porque

Eu não entro
nessa fila
Eu tenho
A preferência
De ser uma
Uma menina
Caridade
Paciência

De se dar
Aos poucos
Antes de tudo
Ser tão mínimo
De não ser
De nenhum outro
Derramar-se
Com o vinho -

sobre os lençóis
sob os lençóis
Que cobrem sonhos
Protegem vícios -.

J.
Poeira Cobre (Ainda Distante Da Broca)

Cartilagens mastigadas,
Bobinas fósseis,
alimentam engrenagens
Que se desfazem.
E só sobra pó de ferrugem,
Poeira ruiva tetânica,
a migalha instantânea
de uma cor e um ruído
-Restilho de cobre,
Detrito,
Preso a roda dentada.
Fundido na sola das botas,
Um resto de estanho opaco,
Um diamante marmorizado,
Ainda distante da broca.

J.
Cerimônia

E o que você vai fazer agora,
com o seu coraçãozinho empalhado?
Com essa sua faca sem fio,
Com essas suas gaiolas sem porta...
O que você vai fazer agora?
Você pode querer qualquer coisa.
O seu desejo pode alcançar o mundo
E jamais ser retribuído.

A sua mãe, ela está no altar
ao lado de um cambista falido
que insite em te chamar de filho,
que cospe esmolas generosas
para prostitutas bem vestidas.
O bouquet infeliz cai aos seus pés,
as debutantes mergulham para alcança-lo
Uma flor de vermelho-além-do-sangue
cravada em sua lapela.

Nada te comove mais.

J.

6.12.05

O velho

Não há muito o que ser dito a seu respeito. Era um sujeito baixo, mas era mais alto que o outro, este era praticamente um anão. Mas bem proporcionado. Ele tinha menos cabelos que o outro, e eram brancos. Sua pele era clara e enrugada, a do outro era marrom e lisa. Quase não conversavam entre si. Quando falavam era sobre o trabalho que realizavam. Falavam de questões práticas e imediatas, não perdiam tempo com conversa. Estavam sempre com a obra atrasada, deveriam estar perdendo tempo com alguma coisa, mas não era com conversa.
Mas no primeiro dia o velho não apareceu. Era um nordestino alto, de cara chupada, que acompanhava o mulato tampinha. Ambos usavam bonés feios. O nordestino tinha os olhos opacos, amarelados, ovais. Os braços magros e compridos pendiam ao longo do corpo, pareciam um par de muletas. Tinha sempre na cara certo ar de contemplação apática, estupefata. Um olhar bovino, como o de uma vaca que masca capim despreocupada. Ele não mascava capim, mas remoia algum pensamento fibroso dentro daquela sua grande cabeça chata coroada por um boné feio.
O mulato e o nordestino tiraram todos os móveis da sala. Eu assisti eles trabalharem até o último móvel – a cadeira aonde eu estava sentada bordando – ser retirado da sala. O mulato era compacto, robusto, os ombros largos. Carregava tudo com facilidade, gingando de um lado para o outro sob o peso de uma poltrona. Existia algo de audacioso nele. Como ousava um sujeito de tal pequenez conseguir carregar uma poltrona tão grande? Ele estava sempre esboçando um quase sorriso, como as pessoas que mentem sem talento para a mentira. Parecia um jeguezinho, um jegue perseverante.
O nordestino se movia muito lentamente, os braços sempre caídos ao longo do corpo magro não balançavam. Quase não piscava, sempre olhando estaticamente para frente. Parecia não dormir há dias. Carregava as coisas nas costas, todo torto, como um galho de bambu dobrado. As pernas compridas dobradas, todo torto, com exceção da cabeça que sempre estava reta, apoiada sobre o pescoço fino. Tinha a pele amarelada como seu branco dos olhos. Parecia um camelo, um camelo sobrecarregado.
Eu ofereci água a eles depois de levarem minha cadeira. O mulato sorriu, levantou o boné e passou as costas da mão pela ampla testa suada. Aceitava, sim. Olhava o nordestino de canto de olho. O camelo nordestino também tinha sede. Trouxe dois copos enormes para os homens. O mulato bebia aos poucos, levantava os olhos e sorria – a água tá gelada – sorriu novamente para mostrar que isso o agradava. O nordestino bebeu tudo de um gole só. Seu pescoço magro arqueado, a cabeça jogada para trás, o pomo de adão saliente se movia lentamente. Baixou a cabeça e estendeu o braço que segurava o copo vazio em um movimento só, como se o braço fosse uma alavanca do pescoço. O mulato terminou de beber e também me entregou o copo. Agradeceu. O nordestino lembrou de fazer o mesmo.
Os homens se sentaram em um canto da sala vazia. Tinham trazido marmitas, comida em pequenos potes plásticos. Sim, temos um microondas, eu esquento pra vocês, que é isso, não tem problema nenhum. Retornei a sala com marmitas fumegantes. O mulato comia macarrão com feijão e carne moída, o nordestino comia algo que eu identifiquei como angu. Entreguei as marmitas a seus respectivos donos. O nordestino só agradeceu depois do mulato. Sempre esquecia. Também forneci talheres ao mulato, que tinha somente uma colher de plástico. Ele agradeceu. O nordestino também agradeceu, condicionado a dizer “obrigado” sempre que o mulato o fazia. Eu sai e deixei os homens comerem em paz. Não queria que eles se sentissem na obrigação de dizer qualquer coisa para mim, de puxar assunto.
No dia seguinte veio o velho acompanhando o mulato. O velho não usava boné. Perguntei pelo nordestino e o mulato me informou que ele tinha outro trabalho. O velho tinha os olhos negros, grandes, duas bolotas negras redondas, quase não se via o branco dos olhos dele. O nariz grande, redondo, a pele clara, cheia de vincos e rugas. Devia ter pouco mais de 60 anos. Sorriu ao me ver, por cortesia. Eu sorri, por cortesia. O mulato sorria sempre, não precisava de motivos corteses.
Eles começaram a arrancar as longas placas de fórmica branca do chão. Isso é, fórmica que um dia havia sido branca. Agora era bege. Algumas saiam fácil, essas eles arrancavam com as mãos nuas, cada um em uma extremidade da placa. Outras eram difíceis de arrancar. Nessas eles usavam uma espátula. Agachados de quatro enfiavam a espátula entre a fórmica e o chão. O velho trabalhava com vigor, como que determinado a provar que sua idade não era qualquer empecilho. Era elegante, o velho, tinha os gestos controlados. Como um esgrimista, um espadista. Os sabristas são mais violentos e expansivos. Espadista, definitivamente.
Sentaram para comer sobre o chão de madeira escura. Ambos tinham marmitas. Esquentei a do mulato, dessa vez ele comia bife acebolado com arroz, feijão e batata fria. O velho não queria que esquentasse a marmita dele. Comeu seu purê de batata com salsinha e arroz, tudo frio. Dei água aos homens. Ofereci suco, mas queriam água. Acho que ficaram sem jeito de aceitar o suco. Mas não tinha problema não, eu gosto de agradar. Voltei com a água e o mulato puxou papo. Falava da minha rua, como era agradável, como era fresquinho ali. Eu morava ali a muitos anos. Quis saber onde ele morava. São Cristóvão. E o velho? Caxias. Caxias é longe. Ele pega três ônibus para chegar na zona sul. É chão. O velho não era carioca, o mulato era. O velho tinha um sotaque esquisito. Tinha os Ss de mineiro, mas comia letras como os nordestinos. Usava muitos diminutivos, como os mineiros, mas ao mesmo tempo dizia que o calor (calô), estava arretado. Ele tinha nascido no Rio Grande do Norte, mas morou muito tempo em Minas. Tenho família lá, no Rio Grande do Norte. Não vou lá há anos. Ele também não vai lá há anos. Ainda tem um irmão lá. Não vê o irmão há anos. Mais anos do que eu tenho de vida. Como eu sou nova. Sou nova sim. 17 anos. Pareço que tenho 20, para o velho. O mulato achou que eu tinha 16. Não gosto muito de conversar com o mulato, ele flerta comigo, de um jeito que nem pode ser acusado de flerte. Mas é flerte sim, elogia meus olhos, um esboço de sorriso sempre apertado no canto da boca. Gosto de conversar com o velho. Ele tem outro irmão, lá em Minas, me contou a estória – entrou em um bar para tomar uns tragos assim que chegou em Minas. Era uma cidade média, Araxá. Nunca tinha ouvido falar. O velho fez uns trabalhos lá. Depois do serviço é que ele foi tomar o trago. Ficou numa mesa do lado de fora. Bebeu uma dose de pinga. Pinga boa, a mineira. Bebeu outra. E quando enfiou a mão no bolso encontrou um buraco, e só um buraco. Não tinha nem um centavo, não tinha como pagar. Entrou no bar para expor a situação ao dono do bar. Ele disse isso mesmo, “expor a situação”, eu não estou enfeitando. Então, quem ele encontra atrás do balcão do bar? Um irmão dele! Ele tem três irmãos. Que sorte, que estória ótima. Morou em Araxá muito tempo, trabalhando com o irmão no bar. Estava sempre cheio. Aí teve uma briga no bar. Um caboclo puxou uma pistola 38 e deu 5 tiros em um sujeito. Não estava bêbado nem nada. O homem caiu e morreu na hora. Nem chamaram médico, morreu na horinha. Fecharam o bar por uma semana. Quando abriram de novo ninguém veio. Ficaram abertos por uma semana, ninguém veio. Fechou o bar, faliu. Aí o velho arranjou um trabalho no Rio, com um primo dele que morava aqui. Veio pro Rio, voltou a trabalhar em construção. Gostava mais do que trabalhar no bar. Bar é pra se divertir, não é pra trabalhar. O mulato trabalhou em construção sempre. Não, mentira, trabalhou de manobrista em um restaurante de bacana. Lá na Barra. Não gostava, tratavam ele mal.
Eles começaram a botar a fórmica nova. Eu sai da sala, queria deixa-los trabalhar em paz, e não queria dar muito assunto pro mulato. Algumas horas depois o velho me chamou no corredor. Dona, dona. Veio me avisar que estavam indo, voltavam de manhã, já estava quase terminando. Fui até a sala. O mulato estava parado do lado da porta, segurando sua mala. O velho se juntou a ele, eu abri a porta e saíram. Até amanhã, até amanhã. Fechei a porta e olhei a sala. Metade estava coberta por uma impecável fórmica branca.
No dia seguinte voltaram, o velho e o mulato. O nome do velho era Luís, o nome do mulato era Elton. Sempre esquecia o nome dele, mas não esquecia o nome do velho. Eu lembrava, por causa da música. “Oh Luiz, respeita Januário, o Luís respeita Januário”. Cantei pro velho, ele riu. Achou engraçado eu conhecer a música. Eu sai da sala, só voltei ao meio dia, essa era a hora que eles paravam para comer. Esquentei a marmita do mulato. Era bife acebolado de novo. Dessa vez aceitaram o suco, mas só por que eu insisti. O velho comeu arroz, feijão e frango, tudo frio. Perguntei por que ele não esquentava. Para que esquentar se eu vou ter que esperar esfriar para comer? Fazia sentido. Achei o velho muito sabido.
Terminaram naquele dia mesmo. Eles botaram tudo no lugar direitinho, fiquei impressionada como o mulato lembrava onde tudo estava. Só erraram a posição da poltrona. Mas ficou melhor aonde eles botaram. Paguei os homens. Lembrei o nome do mulato e me despedi deles. Tchau Seu Luís, tchau Elton. Quase esqueci de agradecer, mas lembrei antes de fechar a porta.


J.

5.12.05

Poemeto Erótico #6

Nada
Entre nós agora

O delta de luz
De corpos nus
Entre nós agora.

Respirar
Respirar o seu cheiro
O ar
Galopa em meu peito
Ritmo perfeito
A mente dilata.

Assim
Curvas fechadas
Assim
Rasante de pássaros
As asas me tocam
Pólvora na pele.

Explode
Uma estrela oca
No céu
Da minha boca
O meu oceano
Em um conta gotas.


J.
Poemeto Erótico #1

Quero morder
Seu pomo de adão
Como Eva fez
Morder sem perdão

Cubo de gelo
Na boca morna
Derrete, escancara
as pétalas da rosa.

Te quero forte,
Te quero homem.
Me jogue e rosne
E me abandone.

Não me abandone.

J.

4.12.05

Poemeto Erótico #3

Quero atar suas mãos,
vendar seus olhos;
Para que você não saiba
Onde tocam os meus lábios.

sósinta.

O meu desejo, é inútil.
Ele me mata e não morre.
O meu prazer é lúbrico.
Meu corpo me engole.

Quero que você não veja
Antes que fique cego,
Engula o fruto, cuspa a semente,
Vou te dar o que eu quero.

Vou te dar
O que eu
Quero.

J.
Penhasco

O céu não estende as mãos
Para nenhum suicida.

J.
Diálogo #1

Ele: Como vai?
Ela: Está tudo bem, graças a Deus.
(Pausa)
Ela: E você?
Ele: Eu vou indo...
Ela: É indo que a gente vai...





20.11.05

Essa é de outros carnavais....Pequenas sereias. Da esquerda
pra direita: Marina, Eu e Bebel.

Avenida Brasil



Uma garota distribui panfletos ultra-comunistas na Avenida Brasil, em seus dedos ela veste anéis que pertenceram a uma czarina russa que durante a revolução fugiu com um príncipe judeu da Galiléia e os dois se refugiaram na pequena casa de um padeiro francês que fabricava farinha em um velho moinho que a noite servia de cenário para os encontros secretos de dois jovens amantes parisienses, e foi lá que eles foram assasinados por um ladrão assustado que nunca mais conseguiu dormir e que ao ser enforcado deixou sua amante, uma cigana que lia o futuro, grávida de 7 meses. Ela deu luz a uma criança cega que tateou pelo seu mundo de trevas até se casar com um chefe de polícia inglês corrupto que aceitava propina de uma dupla de contrabandistas italianos que eventualmente se esconderam em algum país abaixo do trópico de câncer onde conheceram um mendingo que implorava por gorjetas pelos seus atos inconcebíveis, até que finalmente ele bateu de cabeça na sargeta e estrebuchou em uma performace que foi apenas assistida apenas pelo seu fiel vira-lata que uivou por 49 horas seguiidas e depois saltou em um ônibus aonde foi carinhosamente adotado por um senhor de 62 anos e a sua respeitável senhora, que estavam a caminho da respeitável cidade de São Paulo onde encontrariam sua filha, uma garota de olhos caipiras embaçados que estava casada com um anão gago que era um influente sociopata e trabalhava como jóquei no hipódromo local, da onde foi despedido depois de um incêndio pelo qual ele foi culpado mesmo que todos soubessem que a verdadeira culpada era uma velha cujo marido havia pago por grande parte das reformas nas arquibancadas da onde um velho jogador assistiu seus últimos centavos evaporarem no suor de um cavalo fraco que cambaleou até a linha de chegada e morreu aos pés de um poderoso executivo que fumava um charuto Monte Cristo e soltava cada baforada contra o rosto de sua jovem esposa que contava os segundos até o último suspiro dele e finalmente cansada de esperar contratou os serviçõs de um matador de aluguel que retornou mil pratas mais rico para casa onde sua amada aguardava a grana que nutriria o seu vício em champanhe, e os dois beberam taças de ponta cabeça e cuspiram da sacada acertando um homem que corria para a estação de trem com um guardanapo cheio de números em sua mão esquerda, ele resolve pegar o metrô e desce pelas escadas passando por um homem negro e barbudo que toca um saxofone prateado que reflete a imagem distorcida de uma criança que berra o nome de sua mãe em plenos pulmões até ser abordada por um policial gentil que, com um sorriso branco, se abaixa e acalma o menino com as mesmas palavras que ele ouvira de seu pai antes de ele dar no pé com uma mulher 20 anos mais nova e agora, vinte anos depois, ela vende rosas de plástico no Saara e um homem velho compra 14 dessas rosas e as entrega a mulher que ele tem amado por 40 anos enquanto sua esposa escreve um bilhete de despedida que ela entrega ao caseiro que olha para o envelope enquanto o cachorro late alertando a presença de uma estranha que chora no portão segurando um telegrama respingado pelos primeiros pingos de uma chuva que havia sido anunciada pelo homem do tempo que agora se senta em uma grande cadeira de couro observando as sombras que passeiam pelas paredes e pelo retrato de uma menina que receberá uma notícia triste por telegrama e que terá que achar um homem que passeia com uma mala cheia de notas de 10 pratas que serão gastas em uma passagem sem volta para Honolulu onde outro homem observa a chuva que bate na janela depois de acordar de um pesadelo no qual seu filho caçula fugia de casa e era atropelado por um carro de bois, mas foi só um sonho e ele vai até o quarto do filho que de fato passeia ileso pelas ruas até se deparar com um bar aonde uma garota bebe uma taça de vinho barato e contemplao noticiário na TV que narra a estória de um senador que lavava dinheiro em um banco no Rio de Janeiro onde, neste exato minuto, um garoto vestindo uma camiseta com a imagem de Che Guevara observa uma garota distribui panfletos ultra-comunistas na Avenida Brasil.

J.

7.11.05

- Sobre Eu e Jorge -

Quando ele veio à minha casa pela primeira vez ainda não havíamos nos beijado, por mais que eu desejasse isso e por mais que eu temesse esse desejo. Temia que ele me decepcionasse, lutava contra a arquitetura das minhas expectativas, que erguia pontes frágeis entre os nossos lábios toda vez que eu o olhava por mais de dez segundos.
Então, depois do jantar, eu e ele estávamos sentados em meu quarto, cada qual em uma cadeira com rodinhas, que guinchavam protestando contra os movimentos mais sutis. Ele olhava fascinado pelo mistério vulgar das traquitanas sobre a minha bancada: um cachorrinho de porcelana, um apontador na forma de um isqueiro, fotos Polaroid desbotadas. Tocava tudo com relutância, como se lhe fosse proibido, examinava tudo, buscando as razões funcionais de coisas meramente decorativas. Eventualmente se satisfez com sua averiguação e descansou o azul de seus olhos em mim enquanto eu explicava a origem de um bibelô de cerâmica que a pouco lhe parecia muito interessante. A estória se desenrolou, longa, improvisada e sem inspiração enquanto ele se concentrou no colar que eu usava. Era uma espécie de seta retorcida, uma adaga prateada adornada por círculos. Ele me interrogou sobre o pingente, quase como se me testasse. Eu lhe disse o que eu sabia (que era somente o que a pessoa que havia me vendido o colar me dissera): era um símbolo viking, celta, eu não sei, e representava o vento, associado a liberdade, a possibilidade de independência inerente ao espírito humano, custou cinco reais e eu achei bonitinho. Ele deslizou sua cadeira em minha direção, segurou o amuleto entre os dedos vigorosos, virando-o em diversas direções, um sorriso torto meio debochado em seus lábios. A buginganga vagabunda, que fazia um tempo já estava prestes a se partir, resolveu fazê-lo entre os dedos dele. Sem estalo, um corte limpo, bem no meio da seta. Segurando a metade da seta ele se desculpou em tom formal e educado, como mero protocolo desprovido de arrependimento ou embaraço. Você pode colar de volta, ele disse, e eu mais uma vez mencionei o preço ridículo, a procedência mixuruca e o significado questionável. Ele pôs a metade da seta sobre o tampo de vidro da bancada e sugeriu que fossemos dar uma volta.
Naquela noite, entre acácias, em uma rua deserta de calçada esburacada, ele me beijou. Talvez tenha sido eu que tenha beijado ele, mas duvido. Mas nunca mais falamos sobre o amuleto, sobre símbolos aéreos, vikings ou celtas, ou significados formulados por vendedores de bijuteria.
J.


4X Mac




Deixe me contar sobre meu irmão postiço. Marty McRevels. Mac. As estórias que fragmentam perante os meus olhos, que o fazem completo na minha memória. Eu reviro os olhos para dentro para ver o Mac, já que foi lá que o enxerguei a maior parte das vezes. Magro, tão alto, tão magro, alto. Os óculos e o chapéu eterno, imóvel, que ele se recusa a tirar. Nem para comer. Porque, se afinal de contas, ninguém mais usa chapéu, as regras de boa conduta atrelada a eles também devem ser extintas.

1. Mac é supervisor da filial de uma rede de supermercados chamada “Inglês”, na Carolina do Sul. Um dos principais problemas encontrados pelo supervisor de um supermercado, qualquer supermercado, é o furto. A maior parte das vezes, ele me diz, são os próprios funcionários do estabelecimento que passam a mão em uma coisinha ou outra. Mas um funcionário da filial do Mac começou a ficar folgado, saqueando as prateleiras inconsequentemente. Em um supermercado de uma cidade minúscula não existe muito sobre o que os empregados conversarem quando saem para fumar um cigarro. Então entre baforadas nervosas só se discutia a identidade do ladrão. Mas Mac sabia quem era o homem que ele viu pelo circuito interno de segurança, e um dia, enquanto o elemento em questão empilhava caixas no estoque, Mac se aproximou dele, silenciosamente, se divertindo com o nervosismo do ladrão ao vê-lo. Mac rosnou, balançando a cabeça em negativa e dirigiu-se ao rapaz: “Sabe, esse ladrão está começando a dar prejuízo. Quando eu descobrir quem é o filho da puta eu não vou só jogar ele porta afora, como vou dar uma porrada no desgraçado. Eu juro, eu sou capaz de dar um tiro no filho da puta. Quando eu encontrar esse babaca vou arrancar a orelha dele fora com uma mordida. Vou por fogo na porra da casa dele. Ele vai me fazer perder o meu emprego, o escroto” O ladrão se borrou, olhando o chefe dele ameaçando uma vida, que por acaso era a dele. Conclusão: O sujeito nunca mais roubou nada e o Mac se divertiu horrores com tudo isso.

2. Mac encontrou outras formas de se divertir com seu trabalho chato: Seu chefe, um ex-fumante recalcado, seguia a risca a regra que impede qualquer um de fumar nas dependências do Inglês. Mac muitas vezes desobedecia essa regra (desobediência é algo inerente a personalidade dele) e em algumas dessas vezes foi flagrado pelo chefe furioso, que abanava os braços, enxergando Mac através do vidro de sua sala. Mac presa muito seu salário e parou de fumar no supermercado, o que não o impediu de fazer com que o chefe achasse que ele fumava. Cortou diversos canudos brancos, do tamanho cigarros e, sentado, com os pés para cima (para efeito dramático de folga), levava o canudo aos lábios finos, em uma perfeita tragada performática. A performance era calculada e ocorria sempre sob a supervisão desaprovadora do chefe, que abanava os braços nervosamente , “como uma galinha tentando decolar”. Mac respondia com uma manifestação cínica de incompreensão, a testa franzida, os ombros erguidos, as palmas das mãos viradas para o teto coberto por lâmpadas frias. Isso acarretava uma marcha zangada do chefe, de sua sala até o lugar onde Mac estava, acompanhada por ameaças e um dedo indicados que se movia tal qual um pêndulo frenético. Conforme a distância entre os dois diminuía, a reprovação do chefe se transformava em dúvida e ridículo. Mas Mac não se alterava, não ria, não zombava, simplesmente inquira humildemente o motivo da bronca, e o chefe, envergonhado, virava de costas, sem dizer nada – momento aproveitado para uma risada contida do meu irmão.

3. Foi o Mac que me apresentou a música de Hank Williams, que eu amo tanto hoje em dia. Hank é um dos ídolos dele, um herói de coração ressentido e indomado, de vida breve e confusa. Mac foi visitar o último endereço de Hank, Oakwood, um cemitério em Montgomery, no Alabama, acompanhado de uma namorada e um violão. Pos um pé sobre o mármore branco esculpido na forma de um chapéu de cowboy, similar ao que ele mesmo usava, tirou o violão da bag, e, em um momento importuno, começou a cantar “You’ll Never Get Out Of This World Alive”, escrita por Hank. O momento era inoportuno pois um cortejo fúnebre choroso se arrastava lentamente por trás dele. A namorada de Mac tentou interromper a canção o chamando, pedindo que ele parasse, o que se provou inútil frente ao determinado tributo de um verdadeiro amante da boa música country. As pessoas do cortejo olhavam o alto homem magro, cantando (muito bem, o Mac canta muito bem) uma canção irônica sobre a inevitabilidade da morte. A raiva, confusão e choque das pessoas do cortejo só era menos intensa que a vergonha fulminante que coloria em vermelho a face da moça que acompanhava o dono da voz que cantava “You’ll Never Get Out Of This World Alive”

4. Eu fui para o Memphis, Tennessee, acompanhada por Mac e mais alguns outros caipiras. Ficamos todos hospedados em um hotel, Red Roof In, em uma beira de estrada. Cada qual em seu quarto, mas não antes das 4 da manhã, até essa hora estávamos todos na suíte do Mac, tocando, cantando e bebendo. Eu havia vindo do Brasil para me juntar a eles e fui recebida por uma comitiva de americanos que me adotaram, encantados por uma menina de 14 que sabia xingar como um marinheiro de 56. No final da noite todos cambalearam pelos corredores mal iluminados do hotel, procurando seus quartos em meio a uma quantidade de escadas e portas atordoantes até mesmo para alguém sóbrio. Sobraram eu, Mac e a namorada dele (outra). Sendo eu a mais nova, a estrangeira, e a irmã, Mac quis me escoltar até meu quarto. Eu, teimosa (era mais teimosa ainda aos 14) recusei, e ele, teimoso (tão teimoso quanto eu aos 35), me seguiu sem que eu visse. Passei pela porta de um quarto que estava aberta, e de lá surgiu um sujeito baixinho, de cabelos curtos, bêbado, me encarando. Não me encarou por muito tempo, pois logo estava tentando me agarrar enquanto eu empurrava. E quanto mais eu empurrava o desgraçado mais ele me agarrava. No auge do meu desespero eu ouvi uma voz familiar atrás de mim esboçar um tímido “Hey, cara. O homem que me agarrava parou e olhou o estranho alto de óculos escuros (ele havia perdido o seu outro óculos de grau) e perguntou a ele, me segurando pelo braço “Ela é sua namorada?”. Mac esboçou um sorriso e disse, com calma, “Não”, o que o sujeito tomou como uma autorização para continuar a me agarrar. Antes que eu pudesse berrar “Porra, Mac!” ele chegou mais perto: “Não é minha namorada. É minha esposa”. O sujeito olhou pra ele, ele olhou pro sujeito, que murmurou qualquer coisa e tropeçou para dentro de seu quarto. “Porra, como você é teimosa!Viu como era melhor eu ter vindo com você, sis?”


J.

5.11.05

Eu escrevi uma canção country. É uma canção country por que fala das coisas que canções country falam. Álcool, amor perdido, misérias emocionais. Essas coisas. Eu escrevi para um amigo, meu irmão, que mora na South Carolina, cantar. O Mac. Mac é a maior figura de todos os tempo. Bem, a música conta a estória tão conhecida de um sujeito que enche a lata com uma frequência assustadora, o que eventualmente faz com que a mulher dele lhe dê um pé na bunda, que ele reconhece ser muito merecido. O que ele faz? Entra pro AA, tudo isso, pra tentar ficar sóbrio e ser novamente aceito pela moça. Mas não termina bem.


Sadly Sober

I don't remember the last time I saw ya,
But I recall waking up on your steps.
With the sun on my face, a bad headache,
and the suitcase that you packed.
I knocked on the door, but I had no answer,
just heard your footsteps fade.
I guess you were busy, I guess you were cleanin',
All of the mess that I made.

Sadly sober,
and another day older,
Sadly sober,
wake me up when it's over.

After I felt from our thorny nest,
I was a bit lost, I confess,
Stumblin' drunk, down in the dumps,
I really oughta give myself a rest.
I figured I should try
To walk a straight line,
Try to clean up my act.
Maybe that way, maybe someday,
Baby, you'd take me back.

Sadly sober,
and another day older,
Sadly sober,
wake me up when it's over.


I gave up my late night roamin',
Gave up my morning scotch.
All 12 steps, I did my best,
To regain what I'd lost
Your love was worth it, your love would take me,
Across the widest river.
And for the sake of the love I craved,
I'd keep a healthier liver.

Sadly sober,
and another day older,
Sadly sober,
wake me up when it's over.


So now here I am, a brand new man,
with a heart that still beats for you.
I came to find, to my surprise,
that you found someone to see ya through.
By your door, there was you,
the beauty that made me go dry.
I gave you my number, I held you hand,
and I kissed you goodbye.

Sadly sober,
and another day older,
Sadly sober,
wake me up when it's over.



J.

4.11.05

Olha yours truly aí! Foto tirada pelo Alexandre Lima.
Ai, que coisa mais egotrip, eu tô um nojo desde tirei essas fotos.

26.10.05



São Sebastião Me Ama


São Sebastião me ama
Amarrado na árvore
Minha mãe diz que ele tem
pinta de viado,
o santo.
Ele sangra.
Por quem?
Pelas putas na Atlântica?
Pelos travecos da lapa?
Pelas popozudas do baile?
Por Cartola e Noel?
Pelos bêbados de plantão?
Pelos pastores da universal?
Pela mata replantada?
Pelo mestre salas?
Por quem esse santo,
Com pinta de viado,
por quem diabos ele sangra

?Eu não sei, eu não sei
Por que eu fiquei aqui.
Eu que digo não ter lar,
Eu que detesto praia,
Eu que te odiei no 170,
Eu que te vi morrer em Bangu,
Eu que quis te deixar para sempre
Quando estava em Minas.
As suas ordas de vascaínos,
A torcida no fusca,
A cidade partida
Quando a partida começa.
Eu que jurei ficar
No batidão no salgueiro,
Eu que vendi meu voto
Para a mãe loura.
Eu que te cantei
Atrás da banda de Ipanema:
Bêbada na Vinícios,
Fumada na Farme,
Com febre em Madureira
Vomitando Copacabana.

Vi meu amante ir embora
No aeroporto da bicha voadora
( dá azar falar o nome do puto )
E dei a ele uma medalha
De São Sebastião:
Lânguido com suas flechas,
Com o rabo contra a árvore.
Parece até gostar de sofrer,
Que a minha mãe diz,
ter pinta de viado.

Ele guardou a medalha.
Ele levantou os olhos azuis
De estrangeiro mistificado,
E me sorriu e disse
"A sua cidade é linda"

Então tudo se resume a isso:
Minha cidade.

Talvez eu vá pra Minas.

23.10.05


Românticos e Cafajestes

Se ele se disser sensível
Tenha muito cuidado
Ele não é, mas sabe
Que isso talvez te agrade.

Se ele se disser romântico
Diga que você não toma banho.
Dê pra ele no ato
E dê um número falso
Ou peça que ele conte
Uma piada bem suja.

Se ele disser que te ama
Beije-o para que cale a boca.
Se ele disser que está em contato
Com seu lado feminino
Ria bem alto, deboche.

O último romântico
É um cafajeste disfarçado
Sob quilos de poemas melosos
Sob arrotos educados.
Homem pra mim,é só homem.
E eu gosto deles assim.
Bebe, fuma, xinga,
Belisca a minha bunda.
Diz que eu sou gostosa.
Me vence na queda de braço
Me protege se for preciso
Não berra, não fala alto.

E se chorar na minha frente
Enxuga as lágrimas e fala grosso
"Porra, quanto poeira
Tem um cisco no meu olho".

E quando algum dia
Ele tirar os tecidos ásperos
Ele será só meu, pois só para mim
Ele se revelou tão frágil.

J.
Até Então
I



Alguma jóia eu quero,
Discreta, destoada, imune à escuridão.
Quero lavar as suas cartas
Até que fique tão brancas, tão
Limpas para serem reescrita.
Me conte dos lugares
Aonde você sentiu saudades minhas,
Não me interessam os entre postos,
A localização dos telefones
De onde você não me ligou
Mas pensou em mim o bastante.

Escancarando as rajadas de um raio
Que se divide em cinco sóis,
Engasgando com a fumaça
De um cigarro suspeitamente doce,
Entre a pedra, a foice
E sacrifícios tão medonhos.
Eu sinto uma dor irradiada
Pelo peso da minha cabeça
Atravessando ombros, espinha
E as asas amputadas
Das minhas omoplatas.


Até então eu era Essa
(muito prazer)
com um cachorrinho aninhado em minha barriga.
Fez tanto frio aquele dia.
(Muito prazer)
(Eu adoro frio)
II
Desvairando-me entre caixas de papelão
E poeira peluda aglutinada
à lã cinza e alérgica.
Vertendo os sete cantos da tarde,
meus nervos se ramificavam
como rios cruéis, borbulhando
sob a carne desprotegida.
Quero alguma droga
de amnésia sinestésica
para me livrar do mundo
que o seu cheiro carrega.
Leve-me a um arquipélago de estrelas
Onde os homens enchem a boca de pedras
e os cabelos das mulheres param de crescer.
Leve-me onde as ostras crescem
Nas costas de morenos largos,
a terra aprisionada nos cantos dos olhos
das putas de centrais paranaenses.
Os dedos se cruzam, pequenos,
atrás de promessas grandes.
Quinhentas notas de vinte
na encruzilhada, cachaça.
Boa sorte, até agora,
só preciso, boa sorte.
J.

Olheiras


"Olha só, olha aqui."
"O que?"

"As olheiras, olha só. Toca."
"Tô vendo"
"Toca."
"Eu não quero levantar."
"Olha, quando eu puxo essa pele para baixo aparece mais ainda."
"é"
"Toca."
"Depois."
"Mas não é só a marca escura. Os meus olhos ficam profundos também."
"Os seus olhos são profundo."
"Mas ficam muito profundos..."
"Os seus olhos são muito profundos."
"Profundos no sentido de intensos?"
"No sentido de fundos nas órbitas."
"é por causa da olheira."
"Os seus olhos são profundos."

(...)

"Você gosta?"
"Do que?"
"Do meu olho."
"Eu gosto dos dois. Juntos."

43 Perguntas Inúteis


1 Quando foi a última vez que você chorou? Ontem, missa de sétimo dia.
2 Você já fingiu estar doente? Claro.
3 Qual foi a última mentira que você contou? Disse a um amigo que ligava de volta pra ele quando eu na verdade não tinha nenhuma intenção de fazê-lo.
4 Já chorou vendo um filme? Sim.
5 Qual foi o desafio mais doido que você aceitou? Mostrei os peitos pra um sujeito.
6 Quantos anos você tinha quando beijos alguém pela primeira vez? 11
7 Você já passou trote? Claro! O clássico do açougue. Liga pra algum lugar, e, se for uma mulher que atende, pergunta: "É do açougue?" Ela vai dizer "Não" o que é replicado por "Então porque que eu estou falando com uma vaca?"
8 Você já disse "Eu te amo" sem que fosse verdade? Sim, por gratidão.
9 Você acredita em Deus? Sim.
10 Você acredita em Karma? Não.
11 Do que você tem medo? Aranhas. Morrer sozinha.
12 Qual a pessoa em quem você mais confia? Eu.
13 Qual foi o maior elogio que você já recebeu? "Você faz um negócio muito sexy com a boca quando você sopra a fumaça". E "Você é uma grande compositora. Não, na verdade você um dia vai ser uma grande compositora."
14 Qual foi a coisa mais horrível que alguém já disse pra você? Eu acho que "Você engordou, hein?" é sempre péssimo.
15 Qual o seu ponto forte? Assertividade.
16 Qual o seu ponto fraco? Responsabilidade.
17 Qual a primeira coisa que você pensa quando acorda? Depende. De ressaca: Como eu cheguei em casa? Sem ressaca: Que horas são?
18 A última coisa que você pensa antes de dormir? Tomara que eu consiga dormir.
19 Quem te faz rir? Meus amigos. Os irmãos Marx.
20 Você já viu um morto? Sim.
21 Você já quebrou algum osso? Sim, diversos.
22 Bebida favorita? Cerveja.
23 Você já jogou Strip Poker? Já.
24 Você já roubou alguma coisa? Já.
25 Você lembra dos seus sonhos? Às vezes.
26 Você já saiu na porrada com alguém? Sim.
27 Qual pergunta que você odeia que te façam? "Pode repetir?"
28 Você coleciona alguma coisa? Cartas de baralho que eu encontro na rua.
29 Quantas chaves no seu chaveiro? 9. É, eu sei, é chave pra cacete.
30 Qual o seu segundo lar? Casa da Maria, ou qualquer hotel.
31 Flor favorita? Rosas vermelhas, jasmins.
32 Qual sua palavra favorita? Volúpia. Weary.
33 Qual a sua palavra menos favorita? Forúnculo.
34 O que te estimula, criativamente, emocionalmente e espiritualmente? Arte. Ser correspondida.
35 O que te desestimula? Discussões ou debates sem propósito. Lenga-Lenga.
36 Qual seu palavrão preferido? Caralho. Fuck.
37 Que barulhos ou sons você ama? O vento soprando em ruas vazias. O barulho da latinha de cerveja, ou refrigerante, quando abre.
38 Que barulhos ou sons você detesta? Alarme de carro ou despertador, telefone tocando. Freio do ônibus.
39 Que outra profissão você gostaria de exercer? Tradutora.
40 Que profissão você não gostaria de exercer? Legisladora.
41 Cheiro preferido? Gasolina. Cheiro do pós-coito. Suor de cavalo.
42 Cheiro que detesta? Vômito. Cerveja velha.
43 Se o Céu existe, o que você gostaria de ouvir Deus dizer quando você chegar lá? Você fez o que você tinha que fazer.

23.5.05

A Noite Algo Veio

À noite algo veio,
esguio e negro,
saquear a sua alma.
À noite algo veio,
com o intuito verdadeiro
de interromper toda essa calma.
Interromper o cansaço
pulsante do seu coração partido,
Interromper a cólica
Da sua cabeça vazia.

À noite algo veio,
Crescer com a sua fraqueza,
se amarrar delicado nas suas veias,
atar gentilmente os seus pulsos.
À noite algo veio,
como as legendas de um filme mudo,
Com a força de uma meia lua crescente
Vista ainda durante o dia.

À noite algo veio
Um suspiro entalado entre os seios
Um soluço desfeito de clarinete.
Não há nada de novo sob o sol
Nem sobre
Aquela noite algo veio,
Trajando um véu a ser erguido,
vestindo um sorriso sem dentes
largo e profano.

À noite algo veio
Com um perfume enferrujado
de naftalina e jasmins.
Como o cheiro das túnicas
Dos anjos granito dos cemitério.
À noite algo veio
para morrer com uma lápide sem nome,
para virar uma página em branco,
para te carregar de volta
Para o lugar da onde o sol veio.

À noite algo veio
vestindo uma coroa de flores mortas,
Com a pele fina e transparente
Coberta pelos retalhos
de mil promessas partidas.
À noite algo veio
Com o abandono da noite dos amantes
Com algo de afiado oculto sob a manga
Com o ar das últimas palavras
dos poetas que te cultivaram com amor.

À noite algo veio,
surgiu no canto do seu olho
As pálpebras são curtas demais -
Sempre entra um resto de luz
sujo, filtrado,
por essas visões turvas.
À noite algo veio,
silencioso e fluido,
escorreu pelo seu pescoço
Contra a sua garganta estreita.
À noite algo veio,
te salvar de você mesma
A noite algo veio,
apagar as velas e por a mesa
para um jantar servido frio.

Bela era a noite
Em que algo veio
E tarde chegou o dia
em que algo partiria.

J.

26.3.05

It´s A Restless Hungry Feeling

Eu sou inquieta. Sempre. Sou daquelas pessoas que enloquece os outros sacudindo as pernas. Também sou de roer unha. E fumo que nem uma condenada no corredor da morte. Aperto os lábios o tempo todo. Não gosto de ir ao cinema, porque tem que ficar sentada por 2 horas. Detesto esperar a minha vez. Já desisti de muitas coisas frente a uma fila. Odeio quando demoram pra pedir ou trazer a conta no restaurante. Tenho um attention spam de mais ou menos 5 minutos. Sempre mudo de canal quando entra o comercial, e acabo perdendo o resto do programa por que esqueço dele. 80% das coisas no mundo me interessam por aproximadamente 30 minutos. Odeio ter que ouvir a mesma estória duas vezes. Eu sempre leio a última palavra de um livro antes de começar. Só a última. Abandono livros, canções, idéias, pela metade. Como correndo, como se estivesse morrendo de fome. Ando como se estivesse indo tirar minha mãe da forca. Quando a pessoa fala muito devagar eu tento completar a frase pra ela. Quando a pessoa fala muito eu tento reproduzir o que ela está dizendo de uma forma mais sintética. Quando eu entendo uma coisa não gosto que expliquem de novo. Quando eu não entendo peço que expliquem de outro jeito. Relógios me deixam nervosa. Nunca usei relógio. Uma vez fiquei 72h acordada. Quando explicar o que aconteceu demora muito, eu minto. Não suporto gente que dirigi muito devagar. Já quase morri atropelada diversas vezes, por não querer esperar o sinal fechar.

Mas sempre chego atrasada.

J.

21.2.05

Ilha 1003

Teus olhos de conhaque
Sujos de alcaçuz
Escorrem no falso tapete persa
O sol nasce por uma fresta
Na sua xícara partida,
Me dê um gole desse dia,
Me deixe provar as suas horas,
Deixe-me fazê-las nossas.

A quem se destina
Esse belo sorriso vago
Que me atingi como um beijo
Úmido, morno, largo.
Eu tomei o porre,
E só esqueci de ontem
Mas você estava lá antes.
E continua aqui.

Você diz que me quer
Feliz e apaixonada
Por um santo, você diz
Que tocará órgão no meu casamento.
Traga o cocar
Com as penas da ave
Que você abateu por bondade
Que voava tão perto
Perto demais do chão.

Mas você me alimenta
Nos seus sonhos,
E me vê cantar, nua
Como cantei uma vez
Tangled Up In Blue em português
Na ilha 1003.

E eles pensaram que eu era uma puta
Munida de um violão
"Que puta estranha", pensaram
até você negar,
Com o punho contra o balcão.

E eu andava em volta da piscina
Nua para os seus olhos
Frente aos leitos de plástico
Esperando que você viesse
E acendesse meu cigarro.
Quando eu virava de lado
Suada, você abria
Uma garrafa de água
Para minha boca seca.
Pois eu não tinha forças para mais nada
Só para a piada profética
Que fiz antes de dormir
"Eu vou morrer de sede
Depois que você partir"
Corvette Freudiano
um menino ergue a mão
na sala de aula e aponta o quadro
negro, ele divaga sobre seus ganhos
Na mesada semanal e o aparelho de TV
À cores nova
Eu não tinha lá muita paciência
Naquela época jogava muito pôquer
Contava as fichas antes de dormir
Meu professor disse que contar na mesa
É coisa de quem acha que está perdendo
E mesmo que você ache que está perdendo
Deve se estar muito certo de que a vitória
Está assegurada na próxima rodada, por que afinal
De contas o dealer é seu amiguinho de infância.

Tá certo que eu nunca fiz muito esforço
Para ser entendida, para aceitar
As vantagens de ser alguém que se acha
Estar a frente do seu tempo.
Mas quando Felipe e eu íamos a pista
Víamos os cavalos correndo, seus números
Eu torcendo para o homem que vestia listras Horizontais,
ele berrando "BUCÉFALOS"
E uma senhora ao nosso lado,
Distraída tentava identificar uma mulher
Que possivelmente fazia parte
Do elenco da novela das 8 ou talvez de
Uma conspiração contra o Jogo Do Milhão.

Você me prometeu me ensinar
A atirar, com aquele belíssimo rifle
Que o seu pai te deu quando você tinha quinze
Anos se passaram e eu não pude ir, foi
Mal tenho tempo de te escrever hoje
Em dia eu como muito pouco, eu nem
Me dou conta das calorias e eu li
Na minha caixa postal e se você precisar
Eu sei de um jeito para você aumentar o
Seu pênis em até cinco centímetros e
Com certeza deve valer apena porque com certeza
Deve ser muito mais barato que um Corvette.