7.11.05



4X Mac




Deixe me contar sobre meu irmão postiço. Marty McRevels. Mac. As estórias que fragmentam perante os meus olhos, que o fazem completo na minha memória. Eu reviro os olhos para dentro para ver o Mac, já que foi lá que o enxerguei a maior parte das vezes. Magro, tão alto, tão magro, alto. Os óculos e o chapéu eterno, imóvel, que ele se recusa a tirar. Nem para comer. Porque, se afinal de contas, ninguém mais usa chapéu, as regras de boa conduta atrelada a eles também devem ser extintas.

1. Mac é supervisor da filial de uma rede de supermercados chamada “Inglês”, na Carolina do Sul. Um dos principais problemas encontrados pelo supervisor de um supermercado, qualquer supermercado, é o furto. A maior parte das vezes, ele me diz, são os próprios funcionários do estabelecimento que passam a mão em uma coisinha ou outra. Mas um funcionário da filial do Mac começou a ficar folgado, saqueando as prateleiras inconsequentemente. Em um supermercado de uma cidade minúscula não existe muito sobre o que os empregados conversarem quando saem para fumar um cigarro. Então entre baforadas nervosas só se discutia a identidade do ladrão. Mas Mac sabia quem era o homem que ele viu pelo circuito interno de segurança, e um dia, enquanto o elemento em questão empilhava caixas no estoque, Mac se aproximou dele, silenciosamente, se divertindo com o nervosismo do ladrão ao vê-lo. Mac rosnou, balançando a cabeça em negativa e dirigiu-se ao rapaz: “Sabe, esse ladrão está começando a dar prejuízo. Quando eu descobrir quem é o filho da puta eu não vou só jogar ele porta afora, como vou dar uma porrada no desgraçado. Eu juro, eu sou capaz de dar um tiro no filho da puta. Quando eu encontrar esse babaca vou arrancar a orelha dele fora com uma mordida. Vou por fogo na porra da casa dele. Ele vai me fazer perder o meu emprego, o escroto” O ladrão se borrou, olhando o chefe dele ameaçando uma vida, que por acaso era a dele. Conclusão: O sujeito nunca mais roubou nada e o Mac se divertiu horrores com tudo isso.

2. Mac encontrou outras formas de se divertir com seu trabalho chato: Seu chefe, um ex-fumante recalcado, seguia a risca a regra que impede qualquer um de fumar nas dependências do Inglês. Mac muitas vezes desobedecia essa regra (desobediência é algo inerente a personalidade dele) e em algumas dessas vezes foi flagrado pelo chefe furioso, que abanava os braços, enxergando Mac através do vidro de sua sala. Mac presa muito seu salário e parou de fumar no supermercado, o que não o impediu de fazer com que o chefe achasse que ele fumava. Cortou diversos canudos brancos, do tamanho cigarros e, sentado, com os pés para cima (para efeito dramático de folga), levava o canudo aos lábios finos, em uma perfeita tragada performática. A performance era calculada e ocorria sempre sob a supervisão desaprovadora do chefe, que abanava os braços nervosamente , “como uma galinha tentando decolar”. Mac respondia com uma manifestação cínica de incompreensão, a testa franzida, os ombros erguidos, as palmas das mãos viradas para o teto coberto por lâmpadas frias. Isso acarretava uma marcha zangada do chefe, de sua sala até o lugar onde Mac estava, acompanhada por ameaças e um dedo indicados que se movia tal qual um pêndulo frenético. Conforme a distância entre os dois diminuía, a reprovação do chefe se transformava em dúvida e ridículo. Mas Mac não se alterava, não ria, não zombava, simplesmente inquira humildemente o motivo da bronca, e o chefe, envergonhado, virava de costas, sem dizer nada – momento aproveitado para uma risada contida do meu irmão.

3. Foi o Mac que me apresentou a música de Hank Williams, que eu amo tanto hoje em dia. Hank é um dos ídolos dele, um herói de coração ressentido e indomado, de vida breve e confusa. Mac foi visitar o último endereço de Hank, Oakwood, um cemitério em Montgomery, no Alabama, acompanhado de uma namorada e um violão. Pos um pé sobre o mármore branco esculpido na forma de um chapéu de cowboy, similar ao que ele mesmo usava, tirou o violão da bag, e, em um momento importuno, começou a cantar “You’ll Never Get Out Of This World Alive”, escrita por Hank. O momento era inoportuno pois um cortejo fúnebre choroso se arrastava lentamente por trás dele. A namorada de Mac tentou interromper a canção o chamando, pedindo que ele parasse, o que se provou inútil frente ao determinado tributo de um verdadeiro amante da boa música country. As pessoas do cortejo olhavam o alto homem magro, cantando (muito bem, o Mac canta muito bem) uma canção irônica sobre a inevitabilidade da morte. A raiva, confusão e choque das pessoas do cortejo só era menos intensa que a vergonha fulminante que coloria em vermelho a face da moça que acompanhava o dono da voz que cantava “You’ll Never Get Out Of This World Alive”

4. Eu fui para o Memphis, Tennessee, acompanhada por Mac e mais alguns outros caipiras. Ficamos todos hospedados em um hotel, Red Roof In, em uma beira de estrada. Cada qual em seu quarto, mas não antes das 4 da manhã, até essa hora estávamos todos na suíte do Mac, tocando, cantando e bebendo. Eu havia vindo do Brasil para me juntar a eles e fui recebida por uma comitiva de americanos que me adotaram, encantados por uma menina de 14 que sabia xingar como um marinheiro de 56. No final da noite todos cambalearam pelos corredores mal iluminados do hotel, procurando seus quartos em meio a uma quantidade de escadas e portas atordoantes até mesmo para alguém sóbrio. Sobraram eu, Mac e a namorada dele (outra). Sendo eu a mais nova, a estrangeira, e a irmã, Mac quis me escoltar até meu quarto. Eu, teimosa (era mais teimosa ainda aos 14) recusei, e ele, teimoso (tão teimoso quanto eu aos 35), me seguiu sem que eu visse. Passei pela porta de um quarto que estava aberta, e de lá surgiu um sujeito baixinho, de cabelos curtos, bêbado, me encarando. Não me encarou por muito tempo, pois logo estava tentando me agarrar enquanto eu empurrava. E quanto mais eu empurrava o desgraçado mais ele me agarrava. No auge do meu desespero eu ouvi uma voz familiar atrás de mim esboçar um tímido “Hey, cara. O homem que me agarrava parou e olhou o estranho alto de óculos escuros (ele havia perdido o seu outro óculos de grau) e perguntou a ele, me segurando pelo braço “Ela é sua namorada?”. Mac esboçou um sorriso e disse, com calma, “Não”, o que o sujeito tomou como uma autorização para continuar a me agarrar. Antes que eu pudesse berrar “Porra, Mac!” ele chegou mais perto: “Não é minha namorada. É minha esposa”. O sujeito olhou pra ele, ele olhou pro sujeito, que murmurou qualquer coisa e tropeçou para dentro de seu quarto. “Porra, como você é teimosa!Viu como era melhor eu ter vindo com você, sis?”


J.

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