19.11.07

Exílio

Existe algo de triste e confortável na constelação de coisinhas que eu faço acontecer no tédio que antecede a chegada do sono. Eu como alguma coisa, eu assisto televisão para não pensar em nenhuma de todas as coisas em que eu tenho que pensar. Sinto desejo de fumar um charuto. Toco violão. Leio um pouco. Me forço a escrever.

Hoje é dia 15 de novembro, penso no desgosto de Pedro D’Alcântara, prestes a embarcar para o exílio. No espaço entre as estrelas da minha constelação de coisinhas a palavra “exílio” respira. Ela me persegue, faz algumas semanas, com as palmeiras e os sabiás daquele poema que o meu pai me leu na mesa de um restaurante, já fazem muitos anos. Gonçalves Dias tem a história mais triste: Morreu no naufrágio do barco que o trazia de volta à pátria.

Eu nego o nome da minha solidão. Dou-lhe novas alcunhas: “descanso”, “tédio”, “fracasso”. Não quero sair e encarar o mundo nesse dia chuvoso, porém tão pouco quero ficar só. Quero que o mundo todo venha para onde já estou, silencioso, calmo, respeitoso. Quero alguém que vele o meu sono. A voluntariedade do meu exílio não nega o seu significado. A minha vontade de ser só não nega a minha solidão. Eu nego e pago, cabeça erguida e olhos baixos, eu nego e pago.

Esquecer é preciso.

Esquecer é impossível.
Como esquecer a pessoa amada em 5 minutos

“Es tan corto el amor, y es tan largo el olvido” – Pablo Neruda

Idéia para performance - e idéias em geral.

Esse não é exatamente o exercício do esquecimento – está mais para o exercício do desapego. O esquecimento nada é além da mais extrema forma de desapego, o desapegar-se das próprias memórias. É o agonizante construir da ponte que te leva à outra margem desconhecida.

Esquecer é preciso, esquecer é impossível. Podemos, no máximo, deixar para trás, abandonar. Você pode se convencer da necessidade básica de deixar algo para trás, porém esquecer está além do seu alcance. Você pode apenas não pegar o telefone, não olhar as fotos, não ouvir a canção.

Mas eu ouço uma canção agora, uma canção para mim nova – “Donde Habita El Olvido”, de Joaquín Sabina. Não me interessa tanto saber onde mora o esquecimento (no fundo da garrafa? Na gaveta para a qual se perdeu a chave?), mas qual o caminho mais curto para se chegar lá.

Em um poste, sob o resultado do jogo do bicho, eu vejo um cartaz que promete: “Trago a Pessoa Amada Em 4 Dias”. A promessa está espalhada por toda a cidade. Às vezes é entregue em mãos, às vezes pintada em muros. Já fiquei tentada a procurar uma das mães-de-santo autoras da expectativa de dádiva. Nunca fui, pois meu desejo não era o recomeço, e sim a obliteração de um sentimento ligado a uma pessoa. A possibilidade de redirecionar o amor; dar-lhe outros olhos, outros lábios, outro corpo. O desejo de não desejar talvez seja o mais impotente e aflitivo de todos os desejos.

E talvez a feitiçaria seja a solução. O encanto para quebrar o encanto, um despacho para despachar um sentimento. Crio o meu ritual – é uma espécie de “macumba”, um tipo de sangria, expurgamento com método e finalidade – eu sei exatamente o que eu quero tirar de mim. Não gosto de usar a palavra catarse - talvez por mera implicância (tantas performances se dizem catárticas), mas também pelo fato do meu feitiço ser muito específico, muito bem planejado.

A performance acontece em uma encruzilhada pela força mística desse tipo de lugar – e uma referência aos despachos de Umbanda, que são uma forma de feitiçaria viva nas ruas e no imaginário popular. Penso em Robert Johnson, que vendeu a alma em uma encruzilhada. Me parece um lugar perigoso.

A bandeja prateada é, para mim, uma referência à princesa Salomé, que matou o que ela desejava por não poder possuí-lo. Os objetos que são, um de cada vez, depositados sobre ela, tem significados pessoais, mas relacionáveis – o buquê de rosas vermelhas (o presente do amante), as cartas de amor rasgadas (ridículas, como todas as cartas de amor), fotografias (a alma roubada), um chumaço das pontas do meu cabelo (jogar fora as pontas mortas), sangue (que eu pensei em derramar por desespero). Ex-votos do desejo de não mais desejar. Sobre tudo isso será derramado um vidro de perfume, que será o combustível para as chamas que irão consumar os objetos e, metaforicamente, purgar o sentimento.

Previamente a realização da performance, serão distribuídas filipetas que anunciaram o local e a hora do acontecimento. No verso desse panfleto estarão as instruções que devem ser seguidas para a realização do ritual. A minha performance pode ser vista como uma demonstração prática do método, e não só uma manifestação pessoal, pois o fato do ritual seguir uma “receita” prática permite que ele seja executado por outras pessoas, em outros momentos.

A meu ver, a atitude de por em um lugar público algo extremamente privado gera a possibilidade de reconhecimento e validação do sentimento. Vejo a performance como canção, pelas possibilidades de comunicação emotivas que são extremamente poderosas na forma de melodia, ritmo, harmonia e letra. O cantar sobre o que é de si e dos outros para os outros – a consagração da universalidade do sentimento e da arte como veículo da emoção, das coisas que acontecem entre o púbis e a garganta.

4.11.07

Beggars

You should not come here,
you should not be here -
For you chose to come,
and beggars can't be choosers.

You may cry,
you may grovel,crawl,
pleadand and
plea, plea, plea

.He's kind today.
He'll let you choose
What you'll beg for.