25.7.07

E descobriu-se bela...

O abandono da identidade X uma aceitação da beleza

Sendo maquiada para o olho implacável da câmera, sinto repulsa pelo meu “dia de rainha”. Mãos alheias ao meu corpo, e a unidade que ele representa, me manipulam para tornar minha imagem bela. Minhas sobrancelhas, e todos os meus demais pêlos, são depenados, minha pele arde, sufocada pela quarta camada de reboco cosmético. A chapinha de cerâmica arranca fios e mais fios do meu cabelo a cada nova investida, o curvex besuntado de rímel arranca cílios. Minhas perenes olheiras (fossos, na verdade) são comentadas e batalhadas, a penugem sobre os meus lábios é combatida com medidas drásticas. O secador queima o meu couro cabeludo, o difusor inferniza as minhas orelhas. Minhas unhas são inapropriadas, meus pés são demasiado brutos. Me recomendam que, durante a filmagem, eu não erga os braços para não expor um começo de pêlos sob a axila que não é louvável. Sentada em meu trono, não sinto tristeza, frustração ou raiva. Conforme constroem minha imagem bela o que eu sinto é a minha ausência e um leve enfado.

Terminada a guerra contra os meus defeitos, me vejo no espelho e me descubro bela. É um choque – a realização do meu potencial para uma beleza tão “segura” e controlada me assusta. É uma beleza que não corre riscos, inegável. Esse choque inicial é seguido por um inchaço significativo do ego perante a minha possibilidade de representar essa beleza. Eu não sou essa beleza, eu a represento. “Se eu me maquiar assim, se eliminar tal e tal coisa, se esconder isso e aquilo, seria bela.” Mas, como não faço e não sou assim, me sinto feia – todas as impressões anteriores da minha beleza (numa fotografia em que apareço particularmente bem, na lisonja rasgada de um amante), me parecem falsas. Aquela é a real beleza, pois foi construída metodicamente dessa forma. As minhas construções não são nem tão metódicas, bem realizadas ou totalmente dedicadas.

Aqui, emplastada com quilos de corretivos e atenuantes, represento a beleza, e isso faz eu perceber que não sou bela. Se tenho que a representar, não a sou. Sou uma personagem sem falas, sem motivação além do ser bela. Isso me entedia, me entristece, apesar de uma relutante alegria em abraçar esse papel. Tudo isso é uma espécie de transplante de alma: sou bela, sou outra, sou imagem criada por mãos que não são minhas, por um conceito de beleza que não é meu. A alegria e a tristeza se chocam e eu não sei se estou vestindo um véu, ou se esse véu foi erguido.

3 comentários:

Daniel Pfaender disse...

isso é um pouco de cada um, toda essa 'forçada' de barra pra exteriorizar beleza (imposta pelos outros, como você emsma disse, beleza que nem nós criamos) quando na maior parte dos contextos nem somos reparados... o pq? Os outros também estão muio preocupados com suas próprias "belezas". Belezas que também não criaram, apenas viram em algum 'manual', uma beleza já pronta e padronizada, adequada e moldada para tachar cada indivíduo...

Quem é você Julia Debasse?

Anônimo disse...

a verdadeira beleza já mora dentro de você querida Julia. Ela mora juntinho da sua espontaneidade e você esperta que é já sabe disso a muito tempo...
bjs

natércia pontes disse...

minha 'idola, tu escreve como uma deusa, tu sorri com os olhos como uma deusa. mas, vou dizer no bom cearebes, marmenino deixe de besteira,negocio de veu... tu e linda!!