28.4.07

Shuffle 4

1-
Take This Longing – Leonard Cohen

“Just take this longing from my tongue
all the lonely things my hands have done.
Let me see your beauty broken down

like you would do for one your love.”

Não quero que você vele o meu sono, quero que você vele a minha febre e as minhas noites em claro. Isso não é para os fracos, para os de estômago sensível. Você desmaia quando vê sangue?

No saguão do aeroporto você constantemente levava as mãos ao nariz e aspirava algum perfume misterioso. E, lá pelas tantas, quando eu já pensava em chorar, você me disse, você assumiu que o perfume misterioso era o meu, o cheiro de onde a sua mão havia estado em mim. E você, mais uma vez aspirando o meu cheiro, disse que nunca mais ia lavar as mãos. Se eu achava aquilo nojento? Claro que não, meu amor, claro que não. Você não sabe, mas eu roubei uma camisa sua, uma camisa muito suja, uma camisa manchada por aqueles dias. Até hoje o seu cheiro me estupra no ônibus, vindo do corpo de estranhos. E eu fico muito triste, my love, eu fico inconsolavelmente triste.


2- Na Batucada da Vida - Carmem Miranda

“E hoje que eu sou mesmo da virada
E que eu não tenho nada, nada
Que por Deus fui esquecida
Irei cada vez mais me esmolambado
Seguirei sempre cantando

na batucada da vida"


Se descer mais uma, ela desce até o chão. Na verdade nem precisa, essa menina é perdida, perdidinha. Era louca, louca, louquinha. Sonhos muito grandes para um corpo tão pequeno, talvez ela acabe que nem aquela sua ex-namorada que agora vive, deprimida e feia, atrás de um balcão de algum estabelecimento comercial que vive na margem entre a falência e o lucro - Coitada, nem pra ter um quarentão boa praça que banque as suas estripulias!



3- Los Hermanos – Mercedes Sosa


"Y asi seguimos, andando,
Curtidos de soledad,
Nos perdemos por el mundo,
Nos volvemos a encontrar"

A geografia mesquinha dos homens separa, mas não distância. O cinismo amarelou seus dentes e os anos alargaram os corpos – se encontraram em um lugar onde antes existia o bar onde se conheceram – e agora existia uma loja de sucos. E ali, sob o néon e entre as frutas da estação, ocorreu a reunião de uma confraria de dois cavalheiros um pouco menos solitários.

Abençoado é aquele que encontra a fortuna de muitos amigos. Verdade seja o que te digo: o seu fardo é só seu e, nos julgamentos, se fica sozinho e nu frente ao júri. Nenhum irmão pode ficar ao seu lado. Amigos não carregam nosso fardo, mas eles o fazem parecer mais leve. Compatriotas de um mesmo continente ainda não descoberto.


4- Sou Uma Criança não entendo nada - Erasmo Carlos

“Antigamente quando eu me excedia
Ou fazia alguma coisa errada,
Naturalmente minha mãe dizia:
“Ele é uma criança, não entende nada.”
Por dentro eu ria satisfeito e mudo –
Eu era um homem e entendia tudo.”

Quando eu era criança achava que eu podia nadar até às Cagarras. Antes eu achava que as ilhas eram dorsos de enormes monstros marinhos que eu via quando pegávamos a estrada sobre o mar até a Barra da Tijuca. Era medo e fascinação no banco de trás, enquanto eu imaginava que o carro poderia despencar e cair lá em baixo. Gostava de brincar com as garrafas de xampu e pentes da minha mãe. No banho, fingia que eles eram enormes monstros marinhos. Não gostava de bonecas – só de uma. O nome dela era “Pastel”, que era como o meu professor de natação nos chamava quando a gente desobedecia. O nome do professor era Canete. A gente chamava ele de Danete. A minha babá arrastava mó asa pra cima dele.


5-
Miss Being Mrs – Loretta Lynn

“I took of my wedding band
And put it on my right hand
I miss being Mrs. tonight”

Guardou o anel dourado na gaveta entre as calcinhas, onde guardava todos os seus pertences de teor confidencial. Mas não era do mundo que ela escondia a aliança, era daquela solidão inútil que ela combatia com umas duas taças de vinho branco e, principalmente, do arrependimento que vinha depois da quinta taça.

Decidiu empenhar o anel, mas adiava sempre. Um dia o vestiu na mão direita e foi até o centro, resoluta. Pagou contas, comprou um vestido novo. Foi só no fim do dia, quando estava prestes a cair no sono, que reparou que se esquecera e que o círculo de ouro ainda se agarrava confortavelmente à sua mão direita. Resolveu deixa-lo lá.


6-
Duas Horas Da Manhã – Paulinho da Viola

Duas horas da manhã
Contrariado espero pelo meu amor
Vou subindo o morro sem alegria,
Esperando que amanheça o dia.”

Depois que escurece a cor do céu não muda até começar a clarear. Eu não vejo nada que indique a diferença entre as onze horas da noite e às três da manhã.

Aqui a noite não faz o céu negro. Não, aqui na cidade o céu fica desbotado, encardido pelas luzes que nunca apagam, pelos faróis, néons, placas, idéias brilhantes de homens insones que nadam, nadam e morrem na praia do Diabo.

A lua se move, mas não me guia. Eu não vejo sequer uma estrela – não há sinal do cruzeiro do sul daqui, enquanto eu subo por essas ruas, todas sem saída. Eu não sou de escorpião ou da balança, eu sou de Ursa Maior. Somos uma gente abandonada de trejeitos tristes.


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