30.4.07

Meu Bisavô - José de Calazans Fernandes


Jornal O Globo


EDIÇÃO DO DIA 30.04.2007

SEGUNDO CADERNO

HÁ 50 ANOS - Página 7


Onde o rádio do prefeito é a diversão


"NÃO VEJO glória nenhuma em ser o representante do município mais pobre do Brasil, mas vim ostentar esse título para ver se consigo livrar minha terra dessa incômoda evidência nas estatísticas" disse à reportagem o Sr. José de Calazans Fernandez, prefeito de Marcelino Vieira, no extremo oeste do Rio Grande do Norte, e que veio participar do IV Congresso de Municípios,
ora reunido no Rio de Janeiro.

O Sr. José Calazans teve de viajar 60 léguas por estradas carroçáveis e mais dois mil quilômetros de avião para chegar até aqui. Mas acha que vale a pena, pelo bem de sua terra.

"Marcelino Vieira não tem luz, água, esgotos, hospitais, escolas, diz o seu prefeito. "A arrecadação nunca passa dos 200 mil cruzeiros por ano. Sem estradas, vamos à capital do estado por caminhos carroçáveis (60 léguas)."

Nunca se alcança Natal com menos de três dias de viagem. Pobre de quem adoecer em Marcelino Vieira. Segundo narra o seu prefeito, o doente pode não morrer da própria doença, mas morrerá fatalmente em conseqüência da longa viagem que terá de fazer em lombo de burro para chegar ao hospital mais próximo: em Mossoró, distante 30 léguas. Se preferir ir a Pau dos Ferros sede da freguesia, onde reside o único médico da região ‹ terá de vencer 30
quilômetros de caminhos ruins.

"Na minha terra costuma-se dizer que ali é proibido adoecer ou morrer" afirma o prefeito.

A única diversão para os 1.050 habitantes de Marcelino Vieira é o rádio, único do município, existente na casa do prefeito.

Nos sítios circunvizinhos há cinco mil pessoas que vivem da cultura de feijão, milho, algodão, arroz, cana-de-açúcar e outros produtos, em pequena quantidade.

A cidade tem três sapatarias, 20 mercearias, duas padarias, um curtume. Mais nada.

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Meu bisavô abria as portas e as janelas para que o povo, que se apinhava lá fora, pudesse ouvir e "ver" o rádio. Ele se sentava numa cadeira ao lado do aparelho, vestindo suas melhores roupas e não dizia nada. Ligava o aparelho e o desligava. O povo, quieto, prestava atenção da voz que vinha da caixa.

Minha avó foi a Marcelino Viera esse ano e levou um susto - agora a cidade tem duas Igrejas!

J.

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