14.9.07

Cultura Afro é o Escambau

Eu não costumo escrever textos de não-ficção e, como eu não consigo considerar não-ficção como literatura, eu acabo escrevendo como eu falo.

Cultura Afro é o Escambau

“É mais o povinho...”

A nossa auto-depreciação enquanto povo é tão ridícula que nós queremos dar crédito que é nosso aos outros – eu estou cansada do termo “cultura afro”. Em primeiro lugar porque a África não é um país, e sim um continente, e se referir a ela como uma massa cultural única é, no mínimo, estúpido. De quem estamos falando? Dos negros mulçumanos do Sudão? Dos egípcios? Dos iorubas de Benin e da Nigéria?

Existe um forte movimento hoje de qualificar coisas brasileiras, coisas maravilhosas que pertencem ao nosso povo, como uma representação da cultura africana. Samba não é afro-brasileiro. É brasileiro, ponto, foi feito aqui, não chegou pronto. Muitos dos mesmos povos que desembarcaram no Brasil (todos da costa ocidental da África), também chegaram em outros lugares –Cuba, por exemplo. Lá deu mambo e salsa, aqui deu samba. É lógico que o samba não existiria sem os povos negros, mas também não existiria sem os índios (que recebem tão pouco crédito pela nossa cultura), os portugueses, etc. Será que para valorizar uma cor de pele a gente precisa depreciar uma nação inteira? Porque não se diz simplesmente “cultura brasileira”, o que inclui absolutamente todos nós? Isso é só mais um sintoma da legendária baixa-estima do povo brasileiro – a gente prefere dar crédito a um outro continente do que a nós mesmos (“pra ser bom tem que ter vindo de fora”). E, mais uma vez, a merda da teoria da jabuticaba prevalece.

No Brasil nós estamos tão preocupados em categoricamente “gongar” o nosso patrimônio histórico, que nem paramos para ver o que a gente tem de bom, e como é que isso foi feito. A gente tem que estar aplaudindo Pedro I, que brigou com tudo e todos para ficar aqui, nesse país; mas nós dispensamos esse ato que não demonstra nada além de bravura para acreditar que ele tinha interesses escusos. Nós devíamos estar tirando o chapéu para Pedro II, que sofreu para aprender Guarani. Ele precisava saber guarani? Não. Mas a gente prefere descartar ele como um “banana”. Marechal Rondon é outro. O cara passou a vida inteira tentando estabelecer relações pacíficas com diversas tribos, muitas das quais queriam ver ele escalpelado. Zumbi é outro - um herói brasileiro, não um herói africano. Ele nasceu em Pernambuco, né?

A gente muito que melhorar, mas para melhorar é preciso acreditar nesse país – e acreditar nesse país significa valorizar o que veio antes da gente. E o que está aqui agora também. Quem fala mal de funcionário público? Todo mundo. Quem é aquela gente no INCA, no Itamaraty, na Fundação Oswaldo Cruz? Funcionários públicos. Essa gente dá o exemplo diariamente – e quando você chama a atenção para o bom exemplo ele, muito lentamente, se torna o que é esperado. Enquanto depreciar for mais importante que apreciar, as coisas não melhorarão.



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