28.5.07

O povo que não recebeu o memorando.

Existem algumas pessoas em certos cargos ou profissões que, aparentemente, faltaram no primeiro dia de trabalho, ou não receberam o memorando que apresentava a elas os deveres e a idéia geral por trás do que elas estão fazendo. Essas pessoas não são necessariamente maus empregados, eles simplesmente não entenderam.


Porteiroso cara do prédio da minha mãe acaba comigo. Ele está lá há alguns meses, e ainda não entendeu. Na verdade, eu suspeito que ele tenha escolhido a carreira errada. O sujeito fica lá, sentado entre o portão e a porta. Ele arrastou uma cadeira para segurar a porta inclusive, que é pra ele não ter que abrir ela e se focar inteiramente no portão. Sem problemas, eu não sou uma pessoa que escolhe a estética contra a praticidade. Eu não sei o que está acontecendo com aquele cara: vai ver ele e está fazendo algum treinamento telepático, está tentando aprender a abrir o portão com o poder do pensamento. O fato é que ele nunca, jamais, se levanta para abri-lo. E esse não é um desses portões eletrônicos, controle remoto. Alguém realmente precisa enfiar uma chave, girar e puxar. Ele não se comove com o fato de você estar carregando três sacos de supermercado, ou uma bicicleta. O homem está lá, tal qual uma montanha, irremovível, encarando o portão. Eu acho que ele nasceu pra ser recepcionista de elevador. Está na cara. Ele tentou a coisa mais perto que tinha, porteiro, mas tem essa inconveniência de ter que se levantar. Mas nada disso vai impedir que ele viva o seu sonho de ser recepcionista. A fé pode até mover montanhas, mas não move aquele homem.

Seguranças O sujeito contrata o segurança. Diz pra ele “O negócio é o seguinte, Átila, você tem que manter tudo por aqui em paz, não deixar ninguém incomodar ninguém, evitar que as pessoas se batam.”. É isso aí. E eu imagino que, em um dia particularmente pacífico, o trabalho de Átila seja meio frustrante. Afinal de contas, se a paz reina sem a sua interferência, ele realmente não está fazendo o trabalho dele. Então o que ele faz? Ele cria uma situação em que os seus dotes físicos sejam necessários. Ele compra uma briga. O que Átila não entendeu foi o conceito de só fazer alguma coisa quando alguma coisa for necessária. Ele não entendeu que se está tudo bem, ele realmente não deve fazer nada, apenas estar preparado para alguma eventualidade mais violenta – que essa também é uma forma de estar cumprindo com as suas obrigações. Ele é o oposto do porteiro da casa da minha mãe – ele não é um empregado ruim, ele dedicado demais.

Taxistas:

Eu: Boa tarde...Eu vou lá pra Lagoa, mmm..Como é que eu vou te explicar? O senhor sabe onde fica o CAP?

Ele: O CAP? Claro, claro.

Eu: Ótimo, eu vou para um prédio do lado do CAP.

Ele: Tem uma Igreja ali perto, né?

Eu: É, tem sim.


(Começamos a rodar – eu estou ouvindo o meu Ipod e não estou prestando muita atenção. O carro para. Eu olho pra fora e vejo o prédio da Obra do Berço.)

Ele: Chegamos. Deu onze reais.

(Eu olho pra fora com um olhar de que porra é essa. Eu olho o prédio da Obra do Berço, eu penso nas iniciais. ODB. Eu queria ir pro CAP. Eu repasso a conversa que eu tive com o meu amigo ali. Sim, eu tenho certeza que eu pedi pra ir pro CAP.)

Eu: Chefe, isso daqui não é o CAP. É a Obra do Berço.

Ele: Como assim? Aqui é o CAP. Olha a igreja ali.

Eu: Não. O CAP é uma escola. Isso daqui não é uma escola. Isso daqui é a Obra do Berço. Na verdade, está longe do CAP.

Ele: Minha senhora, não é minha culpa. Você não me deu um endereço, como é que você quer que eu te leve para algum lugar se eu não tenho um endereço?

Eu: Meu amigo, eu entro aqui... Eu te pergunto: você sabe onde é o CAP? Você me diz que SIM. A partir daí eu estou ACHANDO que você SABE pra onde você está indo.

Ele: Olha só, eu não tenho obrigação de saber onde é que fica o CAP.

Eu: MEU AMIGO, é CLARO que você não têm obrigação de saber onde fica o CAP, mas você tem a OBRIGAÇÃO de admitir se você não sabe onde é, JUSTAMENTE por que saber onde é NÃO é sua obrigação, entendeu?

Ele: Mas ta aí a igreja.

Eu: Nós estamos no maior país católico do mundo, porra! Tem uma igreja em TODA esquina!

(Eu dou o endereço pro maluco. Voltamos a ir, dessa vez, na direção certa)

Ele: A senhora pode ficar achando que eu sou desonesto. Só por que você não me deu o endereço eu agora passo por safado.

Eu: Me desculpa, mas puta que o pariu, meu amigo. Você não pode e não vai me culpar por você não saber onde é o CAP e DIZER que sabe. Tu diz que sabe, eu acredito. Se você fosse honesto, no mais verdadeiro sentido dessa palavra, você teria admitido a sua ignorância.

Ele: A senhora ta me chamando de ignorante?????

Eu: *suspiro* - Não, cara, não.

(Chegamos depois de um silêncio eterno)

Ele: Dezesseis reais. (o filho da puta não me deu nem um desconto)

Eu: Olha só, meu amigo, para futura referência, quando tu não souber onde fica um lugar, DIGA, cacete, DIGA, peça um endereço se tu não conhece a referência dada, tá bom??? Cacete. E, por falar nisso, ALI A IGREJA , Ó!

(saio, bato a porta).

Nenhum comentário: