8.2.08

Amplexo

"There is a panther stalks me down:
One day I'll have my death of him;"
-
Pursuit - Sylvia Plath



Aquele instante recendia um perfume vago da infância, das coisas muito antigas guardadas em gavetas que nunca são abertas. Não era o espaço, o lugar não lhe era familiar, era algo no corpo dele que vinha à tona por entre camadas e camadas de outros tempos e outros espaços. Vê-lo nu, de costas; a visão era reconfortante como encontrar, intacta, a paisagem abandonada de sua cidade natal. Agora enxergava ele como um emaranhado de músculos e pêlos. Não via nele membros ou cores, via um animal, um carnívoro de sangue quente que, por motivos misteriosos e inatos, respeitava a integridade do corpo dela, o corpo dela que, branco e morno, se aninhava contra aquele dínamo feito de pêlos e músculos. Sentia-se como uma criança criada por animais selvagens, vivendo a maravilhosa bênção de ser bem quista pelas coisas que poderiam matá-la. Imaginava uma selva de caminhos estreitos que levavam à grandes clareiras. Às vezes era uma floresta de coníferas, como as dos romances de Jack London, e às vezes era um terreno derivado da jungle à la Kipling. Mas as passagens sempre eram estreitas, sendo cercadas por pinheiros de cascas ásperas ou bromélias, e ela se espremia e se esfregava contra a pelagem macia dos animais.
Outras coisas alimentavam aquela percepção animalesca que ela agora desenvolvia, com os olhos cheios daquele homem que dormia ao alcance das suas mãos, enlaçado por uma de suas pernas. O grunhido seco e gutural que ele emitia quando faziam amor, assim como a forma como mordia os lábios e mostrava os dentes franzindo o nariz. Estar à mercê daquele animal de olhos acesos e mandíbula tensa, ter o privilégio de ser cativa daquele corpo forte, tão maciço que ele às vezes transparecia o cansaço de carrega-lo. Ela roçava o corpo contra o dele, distrinçando a sua sorte, elegendo-se feliz e fiel, bela e devota, sentindo que seu peito, encostado contra aquelas costas largas, palpitava no mesmo ritmo do ressonar tranquilo. Aquele sentimento imperscrutável movia cada desígno amoroso, cada entrega que trilhava aquela redescoberta da sua vocação para o amor, a inclinação vertiginosa para a doçura.

2 comentários:

Rackel disse...

Nossa... adorei esse texto! tão real...

Cheguei a lembrar de pessoas q não vejo ha muito lendo isso...

JuliaD disse...

Obrigada, Rackel!