9.6.06

O Lado Negro Do Slogan


Toda mulher conhece o misto de descrença e antipatia que as palavras “posso te conhecer, gata?” causam quando proferidas a três centímetros da sua cara pelos lábios de um sujeito que, ao proferi-las, torna-se irremediavelmente indesejável. Tá bom, não é toda mulher, mas eu em particular atraio esse tipo de cretino e sinto raiva por mim e por todo o meu sexo.
A manobra é freqüentemente acompanhada por outro pedido patético, o de “dar dois beijinhos”. Dois beijinhos na face logo se tornam uma possibilidade de contaminação de herpes quando o infeliz em questão abre a boca na direção da sua e põe metade da língua pra fora. Esses homens desenvolveram uma falha curiosa nos seus aparelhos auditivos (ou talvez seja só um sintoma da “cara de pau” galopante – qualquer perito em acústica sabe que a madeira reflete o som) que evita que eles escutem o som do mais retumbante “NÃO”. É fato que todos os homens sofrem de audição seletiva, mas esse grupo em particular evoluiu (ou regrediu, não sei como isso fica no contexto Darwiniano) e criou imunidade a qualquer negativa.
Ao empurrar o sujeito para afastar a língua e todo o resto atrelado a ela, eles usam uma estratégia de inversão de papeis surpreendentemente inteligente – se fazem de rogados, ofendidos pela recusa (que, veja bem, foi registrada através do empurrão, e não pela negativa oral) e interpretam, com desenvoltura muito convincente, o papel de vítima inofensiva: “Pô, gata, só quero te conhecer!”.
Era nessa exata situação em que eu me encontrava: sendo acusada de grosseria e falta de respeito por um sujeito que, a menos de um minuto atrás, tentava enfiar a língua dele na minha boca enquanto me pressionava contra o corrimão de ferro da escada da Fundição Progresso, onde eu havia sido encurralada. Eu, babaca que eu sou, tentei me explicar e me defender da acusação e, mais uma vez, ele repetiu a manobra do começo, a partir do “gata, só quero te conhecer.”
Uma amiga minha observava de longe a cena e o seu desenrolar repetitivo: ele atacava, eu empurrava, ele acusava, eu me defendia, ele atacava, etc...Mas graças a Deus minha amiga não é tão babaca quanto eu e tinha pressa em sair dali. Bateu no ombro do sujeito, que se virou para ver do que se tratava. Mandou na lata: seca, direta.

“Sabe qual é o seu problema? Você é brasileiro e não desiste nunca.”

O caboclo perplexo ficou encarando ela, o que me deu a chance de sair correndo da escada e me juntar aos meus amigos que, a essa altura, se mijavam de rir.



J.

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