5.2.05

Copacabana Quer Me Engolir

São três horas da manhã e Ella Fitzgerald declara seu amor pela Paris primaveril. Está quente, irremediavelmente quente, e o ventilador de teto trava uma batalha inglória quanta milhares de litros de ar abafado e grosso. As ruas de Copacabana foram invadidas por multidões de baratas que destemidamente transitam pelas calçadas, intrépidas. A noite eu ando de cabeça baixa, tentando antecipar a presença das miseráveis, ando olhando para o chão, procurando o brilho marrom de suas asas, que acabam surgindo da escuridão do meio fio, me fazendo pular em todas as direções ao mesmo tempo como uma égua assustada.Eu me pergunto porque diabos eu ainda te amo. Eu sei por que te amo, conheço todos os motivos, sei avaliar cada causa e cada efeito. A causa - o seu beijo. O efeito - minha coxas se dissolvem, eu flutuo em um líquido morno e macio. A causa - o seu cheiro. O efeito - eu me perco dentro de mim mesma, num espaço aveludado em que não existe nada além do seu odor vigoroso e brando. A causa - a sua presença. O efeito - eu me deleito no luxo de expor minha carne tenra, de não Ter medo de ferir-me, de estar em uma segurança que eu sei que não é real, mas pouco importa, pouco importa o que é real. Mas não sei porque, depois de tudo, de cada seqüência taciturnas, eu continuo a te amar. Eu sei que a pergunta é inútil, que a natureza da incógnita não permite que ela se encaixe em fórmulas ou equações balanceadas. Eu simplesmente admito e aceito minha ignorância, tão fora de meu controle quanto as condições atmosféricas ou a programação das rádios.

Copacabana quer me engolir. Antes eu podia ignorar o rosnado dos ônibus, conseguia desconsiderar as blasfêmias dos mendigos cegos que sacodem seus pulsos contra o céu desbotado, o suave zunido eternamente reverberando aprisionado entre centenas de prédios. Mas não consigo mais. Os ônibus não rosnam mais, agora eles rugem, querendo subir nas calçadas e me esmagar como uma guimba de cigarro ensangüentada. Os mendigos cegos me enxergam e blasfemam contra mim, seus pulsos bradando no ar na verdade são socos destinados a quebrar meus dentes tortos. O som flamejante das ruas me deixa acordada a noite, como se o oceano subterrâneo que corre debaixo das ruas estivesse prestes a romper o asfalto e escorrer por entre os prédios com ondas gigantescas, reenvindicando furiosamente o seu leito original. Quando está muito quieto me parece o som de meu sangue correndo, o meu sangue querendo me afogar.Não saio mais do apartamento. Só para comprar cigarros. Saio com um moletom bem largo, um boné enfiado até os olhos para que os homens não olhem mais para mim. Quando me olham não sinto qualquer acréscimo de orgulho, só um medo agressivo que faz o canto esquerdo do meu lábio superior se levantar como o de uma cadela encurralada com suas crias. Eu fico longe das ruas mais movimentadas, compro cigarros em uma padaria (compro diversos maços para adiar o meu eventual retorno) freqüentada por velhos e empregadas domésticas de velhos que já não conseguem se arrastar até a padaria para comprar o que quer que seja que os velhos comam. A moça do caixa não puxa conversa, o segurança da rua me certifica de minha existência com um leve movimento de sobrancelhas. Eu não sei por quanto tempo as coisas serão assim. Quantas noites serão desperdiçados por não serem passadas em uma cama menos vazia. Não saber o quanto se deve esperar é o mesmo que esperar para sempre. O tempo queima o cigarro que eu esqueço no cinzeiro enquanto acendo outro.

2 comentários:

Augusto Bergerac disse...
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Augusto Bergerac disse...

Causas e Efeitos. Beijo, Cheiro e Presença. Quem me dera, ouvir ou ler algum dia, palavras tão lisonjeiras e meigas, proferidas por uma mulher... sobretudo, se for de uma mulher tão talentosa e durona (aqui, leia-se: frágil) quanto você.
Beijão baby
Du