28.8.06

Linhas para o irmão que vai pra Cuba.

Verdade pura seja dita:
é sempre pior para quem fica.
Com quem vou reestofar
as velhas cadeiras do Comopolita?
Para quem passarei os cinzeiros,
e o isqueiro que será roubado,
antes que a noite seja esquecida
e as vozes falem com lábios calados.

Verdade pura seja dita:
Que dá trabalho, dá trabalho,
ter que criar novos significados
Para móveis, cantos e falas
Que se ergueram atrás de cada curva
Do conforto de um carinho qualquer.
Quando tudo me foi negado,
eu ainda tinha aquilo.

Eu antecipei perder
O que nunca foi meu
(e essa nem é a pior dor).

Que as negras enrolem charutos
em pernas grossas e lustrosas,
cansadas de paralelepípedos,
das propostas mais sinuosas
em sinucas cansadas demais
para deixarem de existir
(dá trabalho, dá trabalho).

Eu talvez aprenda grego
antes de você ter voltado
(dá trabalho, dá trabalho),
Eu talvez me julgue mais feliz
pela felicidade de você não estar aqui.


Verdade pura seja dita:
é pior para quem fica.

Mas onde a ausência causar a saudade
o amor sempre estará presente.

J.

23.8.06


Supersonic Azul Calcinha


Nunca tive uma guitarra. Antes de eu também ter um violão meu, tocava com uma Strato Squire americana, que era do meu pai. Preta com a placa branca, bonitinha, mas não gostava do som dela não - não tinha médio, eu achava ruim. Aí ganhei o meu violão de presente, o meu maravilhoso Martin; lasquei um captador nele e pronto: resolvi o meu problema.

Foi o que eu pensei.

O violão funciona muito bem em algumas músicas, mas em outras não. Não enche, o bichinho, fica lá no fundo sôfrego, querendo aparecer - mas não rola, enterrado sob a Strato do Diab (meu guitarrista). As canções precisavam de um corpo que o som do violão não podia lhes dar. Eu tinha que descolar uma guitarra.

Verdade seja dita, eu não sou muito chegada em guitarras. Eu aprendi (o muito pouco que eu sei), tocando violão, e o que eu aprendi não se presta a execução elétrica - o estilo folk/tosco, com muito dedilhado improvisado, não funciona na guitarra - até dá pra passar em um violão de nylon, mas onde rola mesmo é nas cordas de aço. Mas comprar uma guitarra se tornou essencial para a evolução do trabalho, então fazer o que.

(...)

Hoje de manhã eu estava no 574 e o meu Shuffle me pregou uma peça (o que é muito comum ao shuffle) e desencavou "Don't Stop Me Now", do Queen. Adoro essa música (eu adoro Queen), mas não ouvia a uma década mais ou menos. Estava prestando atenção na letra (horrorosa), já que da última vez que eu ouvi aquilo eu não entendi inglês. Em uma parte Freddy canta "I wanna make a Supersonic woman out of you". Gosto tanto dessa música.

(...)

Ambas as guitarras que eu gosto estão fora do meu alcance, uma por motivos financeiros e outra por motivos físicos, além dos financeiros.

. Fender Telecaster 1966 - linda, maravilhosa, som com personalidade, mas adaptável - não dá. 3000 dólares no mínimo.

. Gibson Les Paul 1958 - é perfeita pra tocar as bases que eu toco, puta guitarra carismática, a escolhida dos escolhidos (Jimmy Page, Neil Young, Mike Bloomfield) - não dá. Aquela porra pesa mais do que eu poço aguentar (além de custar uma baba). Minha constituição de moça não permite que eu, em pé, suporte o peso dessa guitarra por mais de 10 minutos. É guitarra pra macho.

Fomos na Louco Por Música procurando uma guitarra nacional - é isso que você vai achar por menos de 800 reais. A Gianini tem feito umas guitarras decentes, o Diab e o Beni me dizem, pra concorrer com a Tagima. No dia anterior eu tinha tocado uma Gemini da Gianini que, apesar de muito feia (preta com a placa tartaruga), tinha um som bem legal. O problema dessas guitarras nacionais é que, como não existe controle de qualidade, o esquesma é loteria - umas são uma merda e outras são ótimas - as que são uma merda normalmente são uma merda porque simplesmente não afinam, e esse foi o caso de muitas guitarras nacionais que eu testei.

Quando nós entramos na Louco Por Música o Queen veio me visitar pela segunda vez no dia - Radio Ga-Ga estava tocando no aparelho de som da loja. Toquei umas Geminis, duas - o som era ótimo, mas ambas não afinavam direito. O Diab então me deu pra testar, uma de um outro modelo, Gianini Supersonic. Foi amor a primeira vista. Linda a guitarra (como na foto acima), o braço estreito, macio. E AFINAVA! 750 reais. Negócio feito.

Só quando a gente saiu de lá, no carro, eu me dei conta que Freddy tinha previsto tudo - "I'm gonna make a supersonic woman out of you." Supersonic azul calcinha.

J.

21.8.06

Ilha 102
"Por favor não retirem o grampeado grande da sala de xerox."

Com vocês, diretamente de entre as pernas de Ágata, Joel.

“Parece uma orquídea. É uma orquídea? Não! É uma boceta! Mas que parece uma orquídea, parece.”

Era a terceira ou quarta vez que transavam naquele dia. Ágata contava quatro, Joel contava três - para ele o boquete que Ágata tão habilmente realizara de manhã não se categorizava como coito, mas Ágata contava gozo como coito, pelo menos o dele. Se fosse contar pelo dela diria que tinham transado duas vezes naquele dia. Nem ela nem Joel estavam particularmente inspirados; toda a inspiração havia sido gasta nos dois primeiros dias.

Agora se deitavam plácidos, fedendo a sexo em um quarto fedendo a sexo. Joel sentia as costas doloridas, Ágata mal conseguia andar. Era a pressão que era chata, a pressão era muito chata, encarar tudo aquilo como uma janela de oportunidade, o que de fato era, se tornara extremamente cansativo. Quando se tem que aproveitar algo, acaba-se não se aproveitando coisa alguma. Era tudo como a obrigação de se embriagar no Reveillon, e ambos já estavam de ressaca.

Ágata queria conversar, Joel sabia, mas Joel não queria conversar, tinha medo, morria de medo da hora em que descobrissem que de fato não tinham nada a dizer – sim, tinham o que dizer, por mais ou menos uma meia hora teriam assunto – falariam sobre o escritório, falariam mal dos colegas, do chefe. Depois que esse assunto morresse surgiriam as pautas de elevador, os tópicos da conversação agonizante: “viu a entrevista de não-sei-quem no jornal?” “Que tempinho de merda, hein?” “Quanto será que ele ganha por ano?”. E depois o silêncio. Aquele silêncio de agora não incomodava, aquele era o silêncio de gente não falando, não era o silêncio de gente sem mais nada a dizer.

Mas Ágata queria conversar.

“O Wagner vai chegar amanhã de tarde, a gente precisa sair cedo.”

“É, eu sei.”

“Que horas ela chega?”

“Ela só volta amanhã.”

“Onde é que mora a mãe dela?”

“Juiz de Fora.”

“Ela é de lá?”

“A mãe dela?”

“Não, a Carla.”

“Não, ela é carioca.”

“Ah...”

“Vou tomar um banho.”

“Tá”.

Joel não queria tomar banho, não naquele momento, mas precisava sair dali, pois logo chegaria o silêncio. Além do mais não gostava de ficar falando da mulher, nem gostava quando ela falava no marido.

No chuveiro ele se interrogava. Por que se incomodava tanto em ouvir do marido dela? Pensava, esfregando o peito, pensava. “Deve ser muito ruim ser corno, eu não quero ficar ouvindo falar do Wagner por que ele é corno. Faz eu ficar pensando – será que eu sou corno também? Mas claro que não sou corno, a Carla foi pra casa da mãe dela, levou o menino, como é que eu vou ser corneado em Juiz de Fora? Viu, é isso, fica botando idéia na minha cabeça essa conversa. Essa mulher tá começando a me irritar.”

A idéia parecia boa, mas quando ele chegou lá percebeu que não era idéia, não foi pensado, não tinha estratagema. O Wagner viajava, a Carla viajava, o que eles iam fazer? Depois de tanta arquitetura, tanto trambique por míseros quarenta minutos por semana, era óbvio que eles tinham que “aproveitar” essa coincidência bissexta, bizarra, esse afastamento imprevisível de ambos os cônjuges durante o feriado. Como não? Com que alegria eles haviam planejado, com que dedicação ele procurara o melhor hotel que o seu adiantamento podia pagar. Como ela tentava-o durante a semana anterior ao feriado, se esfregando nele por debaixo da mesa de reuniões, o pé dela procurando a barra da calça dele e se enfiando sob ela como um peixe escorregadio em uma toca subterrânea, a meia de nylon macia contra os pelos da perna dele, o email erótico disfarçado de memorando.

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Assunto: Por favor não retirem o grampeador grande da sala de xerox.”

De: Ágata Costa (recepção)
Para: Joel Andrato (tesouraria)

Eu vou t lamber todo daquele jeito que vc gosta. Quero sentir vc dentro de mim, vamos ter mt tempo eu vou te fazer coisas mt doidas c/ vc. Guarda tudo tudinho p/ mim que eu vou t fazer gozar como vc nunca gozou. Eu fico molhadinha so de pensar vou te dar mt prazer. Vai ser muito bom vc jah viu quanto custa a diaria?

Ass: Gostosa da recepção.

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Assunto: Re: : Por favor não retirem o grampeador grande da sala de xerox.”

De: Joel Andrato (tesouraria)
Para: Ágata Costa (recepção)

Gostosa,

Quero vc bem molhadinha mesmo pra quando eu enfiar a minha pica dentro de vc te fazer gritar muito que nem na semana passada. Vou te comer em todas as posições que existem e vou te fazer gozar muito vc vai ficar sem conseguir andar por uma semana. eu fico de pau duro so de pensar em vc e arrancar as suas roupas e enfiar c/ tudo nessa tua bucetinha gostosa. Vou te chupar ate vc gritar de prazer, vc vai ver.por favor nao depila as pernas pq eu quero te raspar. Jah vi a diaria custa 60 reias com cafe da manha. Vai ser muito bom, vc e muito boa.

Ass: bem dotado da tesouraria

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Joel uma vez tinha raspado as pernas de Carla e aquilo o excitava terrivelmente. Mas com Ágata foi diferente – não pode deixar de sentir um certo nojo. Os pelos dela eram diferentes, eram grossos, espetados como uma barba cerrada. Além do mais, o contexto era outro; ela se insinuava enquanto ele manejava a gilete, perguntava se ele estava gostando. Com a Carla tudo tinha sido inocente, ele só estava raspando as pernas dela e qualquer implicação erótica que isso pudesse ter existia somente na cabeça dele. Mas com Ágata não, ela encarava aquilo como preliminar. Não tinha graça.

Apesar disso o primeiro dia foi maravilhoso, com aquela camisola que ela vestiu – nunca tinha visto ela vestida daquele jeito, os propósitos tão transparentes quanto a falsa seda negra. As roupas que ele costumava arrancar dela eram ásperas, pesadas, eram tantas. O blazer de poliéster, a saia com o zíper que agarrava na blusa, a blusa tão cheia de botões, o sutiã de ganchos teimosos.

No segundo dia rasgou a camisola dela – ela julgou que o ato havia sido movido por paixão animalesca pungente, mas na verdade a camisola o irritava. Não entendia aquilo, - pra quer vestir tão pouco se ela logo estaria nua de qualquer forma? Não caia bem nela, era vulgar, barato.

Joel espremia um cravo, nu frente ao espelho retangular. Pensou em fazer a barba. Teria aparado as unhas do pé se tivesse um alicate, qualquer coisa para retardar seu eventual retorno à companhia de Ágata. Uma vaga sensação de tédio embaçou seus olhos, mas ele a descartou; não era tédio, era uma leve frustração, um desapego, uma solidão enfadonha. Saiu do banheiro, não adiantava ficar ali, ela logo o chamaria. Ia querer saber porque ele demorou tanto, mulheres sempre querem saber essas coisas.

Ágata estava sentada na beira da cama. Havia posto a camiseta dele, lhe parecia muito bonita naquela situação tão despretensiosa. Ela se jogou para trás, as pernas balançando, dependuradas da cama, não tocavam o chão. Ágata levou um dos braços sobre a testa, encarando o teto.

“E se fosse sempre assim?”

“Como assim?”

“E se a gente desistisse de tudo, hein? E se fosse sempre assim, nós dois?”

“Não viaja, Ágata, não viaja.”

Joel começou a catar suas coisas pelo quarto com uma pressa desmedida. Enquanto vestia as calças pensava em Carla, em seus pelos macios.


Em um apartamento de 2 quarto em Juiz de Fora, a mãe de Carla comentava com a filha sobre as suiças do ator da novela de época.

J.
Galeria Alaska
(canção acústica com um riffizinho meio Fleetwood Mac em Lá maior)


Eu era feliz
E o pior é que eu sabia
Ele gastou pelo nariz
Todo o dinheiro que eu tinha
Começou com a garrafa
E a promessa quebrada
Que vivem comigo
Na Galeria Alaska

Eu pintei as parede
E até troquei o piso
Mas o que nasce feio
Nunca vai morrer bonito
Ele me deixou aqui
Para alimentar as traças
O amor não visita
A Galeria Alaska

Lembro de dias melhores
mas eu tento esquecer,
Eu sei que onde eu nasci
não é onde eu vou morrer.

Eu era uma bela
Cinderela suburbana
Perdi meu sapatinho
Em Copacabana
Minha mãe me deu o nome
E Deus me deu a faca...
E eu matei um homem
Na Galeria Alaska

A sombra na parede
é tudo que me resta,
O rádio toca a palavra
do último profeta.
Pelas barras dessa cela
A vida me escapa...
Eu até sinto saudades

Da Galeria Alaska.

Lembro de dias melhores
Mas eu tento esquecer
Eu sei que onde eu nasci
Não é onde eu vou morrer.

J.

19.8.06

Ilha 101
"Paulo é um nome tão comum"

Sentada sobre sua mala, Cíntia sorvia lentamente o perfume vago daquela hora aflita. Ele chegaria a qualquer momento, bêbado (a qualquer momento), com seus pulsinhos finos batendo contra a porta (a qualquer momento), perturbando os vizinhos (daqui a pouco, talvez?) com toda aquela fanfarra violenta, com as culpas a serem redistribuídas, o escorraço do patrão entalado no peito sendo descarregado sobre os móveis, as paredes, a pobre Cíntia.

Não sabia exatamente como ele havia descoberto onde ela estava, mas fazia mais ou menos uma meia hora que ele ligara anunciando estar vindo atrás delas. O rosnado no telefone era mais bêbado e mais agressivo do que de costume. Cíntia não ficou surpresa com o telefonema, sabia que ele era perfeitamente capaz de encontrá-la; ele tinha as ferramentas profissionais, os contatos, todos os artifícios de qualquer detetive particular, somados a uma dedicação maníaca a infelicidade dela; tudo potencializado pelos delírios de um alcoólatra invertebrado.

Ligou para a Recepção, descreveu Paulo brevemente como “um homem magro, alto, de cabelos castanhos, muito alcoolizado e violento.” Também falou sobre documentos falsos que ele mostraria tentando provar ser da Civil, mas sabia que isso era inútil; todo mundo tem medo da polícia.

No começo era pequeno, no começo era lisonjeiro – uma careta quando ela suspirava pelo galã da novela, perguntas passageiras, discretas, indolores. Um comentário sarcástico sobre o tamanho da saia, uma alfinetada sobre o perfume, uma xícara contra a parede, um tapa no braço, um soco no olho. Um pedido de desculpas no café da manhã, beijinho no olho roxo, rosas e bombons à noite. Outro soco, sem pedido de desculpas no café da manhã, sem beijinho, sem bombom. Um braço quebrado, um filho refugiado na casa da avó, três vizinhos insones, um policial, uma ameaça, uma mentira, nenhum B.O. A maior parte da vida profissional de Paulo fora gasta investigando casos de adultério – e um dia ele começou a trazer o trabalho pra casa. À Cíntia cabia toda a alienação de um réu inocente enquanto Paulo era investigador, promotor, carrasco e carcereiro. Na cabeça dele fazia sentido, na dela não. Cíntia o respeitava, ele, um homem que passou a vida inteira tentando ganhar o respeito de alguém até desistir; decidiu que onde não encontrasse o respeito criaria o medo. E era isso que incomodava – ele queria ser temido, não respeitado – Respeito? Uvas verdes.

Cíntia fechou a mala e caminhou pelo quarto, alimentando uma sensação inútil de estar esquecendo alguma coisa. Sim, precisava lavar o rosto, rímel escorrido não fica bem, também queria mijar antes de sair. Deixou a água da pia correr, sentou-se no vaso observando seus pés. Esmalte vermelho fica horrível quando descasca.
O telefone tocou.

(a) Deve ser ele.

(b) Não vou atender.


(c) Deve ser minha mãe.

(d) Foda-se, se for ele eu desligo.


Cíntia atendeu ansiosa e ouviu o som da rua – trânsito, buzinas e vozes tentando se erguer à cima de todos aqueles barulhos espalhados, concentrados e distorcidos na escuta de um telefone. Só Paulo e sua mãe sabiam que ela estava ali, e aquele era o som de uma ligação feita por dedos sujos em um orelhão instalado frente a um boteco. Conhecia aquilo. Em algum lugar entre o ouvido de Cíntia e o gancho do telefone uma voz estranha indagou quem era e o aparelho voltou a encostar contra o rosto dela.

“Quem é? Quem é?”

“Alô?”

“É do quarto 101? A senhora é a responsável por essa linha?”

“Sim, sou eu, Cíntia.”

“Bem, Dona Cíntia, a situação é o seguinte... Um homem, Paulo...peraí...(Cadê a identificação da vítima?)... Ele sofreu um acidente aqui em Botafogo, na Voluntários da Pátria. Nós achamos esse telefone na carteira dele, a senhora conhece esse homem?”

“Conheço. Quão sério é esse acidente?”

“Bem, minha senhora...Ele não sobreviveu.”

“Meu Deus do céu. Paulo? Tem certeza?”

“Peraí...(É essa aqui?)...Isso, Paulo Ferreira Maia, isso.”

“Ferreira Maia? Não, peraí, o Paulo que eu conheço não é Ferreira Maia.”

“Não? A senhora tem certeza?”

“Tenho, tenho, graças a Deus.”

“Tem certeza mesmo? Mas esse número estava em um papel...”

“Tenho certeza! Paulo é um nome tão comum, vai ver que ele conhecia a pessoa que ficou aqui antes.”

“Pode ser, pode ser, vou checar na Recepção. Desculpe incomodar a senhora.”

“Não, tudo bem, Nossa Senhora, que susto o senhor me deu!”

“Boa noite.”

(...)

“Qual o nome da senhora?”

“Cíntia Ferreira Maia.”

“Quarto 102?”

“Não, 101”

“Ah é, desculpa, tê sem os óculos...2 diária com café da manhã.”

“Isso. Aceita o Redeshop?”

“Aceita.”

“Aquele homem não apareceu aqui, Dona Cíntia.”

“Tô sabendo.”


J.
1010 Ilhas - Prefácio

A idéia é a seguinte (é bom deixar claro que a idéia já evoluiu ao longo do tempo e que agora essa é a idéia):

Como muita gente, eu já visitei hotéis. A maior parte dos hotéis que eu visitei ficavam no Rio de Janeiro, perto da minha casa, por circunstâncias que não vêm ao caso - o fato é que eu dormi, comi e fui comida nesses hotéis. E mesmo nos hotéis fora do Estado fluminense, nos hotéis de uma noite e meia estrela na ida pra Salvador, nos hotéis-fazenda-família de Minas, no motel de beira-sem-eira-de-estrada de Memphis, no hotel chique de Londres, no hotel mais barato de Nashville, no Sheraton de Buenos Aires...Bem, um hotel é um arquipélago, especialmente os hotéis chiques - nesses, cheios de turistas, cada quarto é uma ilha onde se fala uma língua, se traduz uma moeda, se reza uma reza, se tem um passaporte. Mas o motel mais barato da cidade mais chinfrim também é um arquipélago - lá existe uma realidade entre quatro paredes que só existe para aquelas pessoas entre aquelas quatro paredes por alguns momentos. Excluidos os Mários-Quintanas da vida que vivem em hotéis, todos estão alí só de passagem - e a realidade de um quarto de hotel é muito verdadeira - é momentânea e depende de quem está lá, em que hora, em que momento. Em casa é diferente, em casa tudo é pesado, carrega milhões de coisas. Em um quarto de hotel você tem pouco tempo e uma mobília nova para você (é nova, é sua, e é velha e já foi de milhares de pessoas), pronta para ser o recipiente de qualquer nova lembrança adquirida durante a estadia. Tudo é irreconhecível e mesmo assim familiar.

A proposta dessa série de contos curtos é mostrar um vislumbre de um quarto de hotel, o que acontece lá dentro - às vezes o que acontece lá é consequência do que acontece lá fora, e às vezes o que acontece lá fora é...Mas não, o que acontece lá fora é que vêem só de passagem, o que acontece lá dentro é que o me interessa.

Esse é um hotel com 10 andares, 10 quartos por andar. Cada conto um quarto, cada canto um conto, cada quarto um canto. É basicamente isso; acho que deu pra entender.

J.

16.8.06

Estrela Perdigueira


Segui a estrela perdigueira. Tropecei em uma pedra oca no caminho. As mãos antecederam o resto do corpo, contra o cascalho, contra a areia grossa, salina. Ferida nas palmas, pensei em Cristo, pensei nos buracos nas mãos da estátua na casa da minha avó. Não eram chagas, as minhas, não foram anunciadas por anjos, não ganhei pão, vinho ou um beijo. Pensei nas medalhas que eu te dei – São Cristóvão, para te guiar em segurança, e São Sebastião, para te lembrar do porto dessa sua amante. Às vezes penso se você ainda as usa, se o pedaço de couro que as prendia ao redor do seu pescoço largo ainda tem aquele cheiro de cachorro molhado, ou o cheiro do seu suor. Não gostei quando você mudou a loção pós barba, gostava mais da outra.

Nunca te disse isso.

Segui a estrela perdigueira. Quando eu era criança, depois de um sonho ruim, fugia para a cama dos meus pais e fingia dormir – tinha vergonha de ser encontrada ali, por isso fingia dormir. Me carregavam de volta para o meu leito original, achavam que eu dormia. Ficava tristinha, tristinha quando abria os olhos e me via normalmente no meu quarto, ouvindo o ressonar dos meus irmãos. Minha mãe tinha uma cadeira no quarto, onde ela empilhava toda a roupa suja. Depois eu passei a dormir lá, coberta pelas roupas sujas. Fazia sempre muito frio no quarto, o ar-condicionado no máximo. Sentia muito frio, mas eu me sentia bem, lutando contra o frio com aquele cheiro morno e familiar, aquilo era mais forte que o frio. Minha mãe ouvia o barulho da cadeira, fazia muito barulho, a cadeira. Passou a botar as roupas sujas no cesto de plástico do banheiro do quarto deles. E agora era pra lá que eu ia nas noites de sonho ruins – entre as roupas sujas, num berço de plástico no chão do banheiro.

Lá não me achavam e lá eu achava eles.

Segui a estrela perdigueira. Estava escura aquela noite, eu lembro, ver você dirigindo. Adorava ver você dirigir. Queria ter a coragem de baixar minha cabeça no seu colo e chupar o seu pau, como eu vi tantas mulheres fazendo nos filmes. Uma vez eu tentei, baixei a cabeça, tímida, insegura. Eu era tão nova. Você passou a mão pelos meus cabelos e ergueu o meu queixo, os olhos vagueando pelas sombras no meu rosto por alguns segundos. Você riu e me beijou, eu ri e fui beijada. Não éramos como os homens e as mulheres do filme – você não conseguia ser chupado enquanto dirigia e eu não tinha coragem de tomar liberdades tão extravagantes com a minha libido. Às vezes, quando trepo sem afeto, quando encaro a trepada como performance benéfica ao ego, te imagino em um canto escuro me dirigindo. Você é o meu diretor de filme pornô, eu sou a atriz tentando implorar por um favor enquanto manejo uma pica alienada entre os meus lábios.

No fundo, no fundo, eu nasci para amar Humphrey Bogart.

Segui a estrela perdigueira. Vestia as botas do couro de um boi bravo que montei em uma vaquejada em Sergipe. Sangramos a besta, um corte único no pescoço, misturamos o sangue com o leite e bebemos. Era um sábado de Aleluia. Posso estar enganada, mas eu normalmente não me engano durante os sábados de Aleluia. Os índios todos estranhavam os meus olhos árabes, como eu era estranha para eles! Penas, fuligem e névoa, esse é o meu novo look, acho bom você ir se acostumando. Às vezes eu gostaria de sentir raiva de você, às vezes eu só gostaria de te amar menos, às vezes eu acho que os dois são a mesma coisa. Eu, uma beira de estrada da Andaluzia - te amaldiçoei contra os céus, um punho cerrado, o outro segurando o meu sapato para que Deus visse a sola que apenas arranhou o chão que Ele pos tão longe do céu, o chão que Ele pós tão grande entre nós. Está na hora de encararmos os fatos; o problema é que os fatos e que nos encaram; eles vêem através das paredes, das superfícies orgânicas.

Os fatos nunca enxergam através do amor.


J.

12.8.06

Sangue Árabe

Escrevi essa canção faz quase dois anos e já então eu falava do Líbano - na ocasião não acontecia nada de mais por lá - o Líbano ia muito bem, os brimos faziam negócia, estavam ganhando muito dinheiro com a turismo. Falo do Líbano na canção por que é de lá que o meu sangue "árabe" provem - árabe o escambal, minha vó bate em mim se ler isso - nós não somos árabes, somos feníncios. Não tenho bola de cristal - mas a natureza humana é altamente previsível e qualquer país que faça fronteira com Israel vai estar, mais cedo ou mais tarde, a mercê de uma das mais poderosas forças bélicas do mundo.

Os garotos estão no pátio
Ensaiando passagens bíblicas,
Me pediram que eu lambesse
Selos de cartas mal escritas.
Eles aceitam convênios
Com Alah, Jesus ou Buda,
Eles comandam engenhos
Daqui até Singapura

Meu sangue árabe ferve
E a noite se despedaça,
Como uma bomba no Líbano,
O vidro numa passeata

O cacique quer todas as penas
Para seu novo cocar;
A pomba gira sem asas
Jamais sai do lugar.
Deus não se incomoda
Com essas questões terrenas,
Ele não vai assegurar
Suas vitórias pequenas.

Meu sangue árabe ferve
E a noite se despedaça,
Como a bomba em Bagdá
O vidro na passeata.

Na sua poltrona de couro,
Veste sapatos apertados,
Chacoalha olhos em suas mãos
Como se fossem dados.
Tire de quem não tem nada,
Alimente o ódio mútuo,
A terra só é sagrada
Se for de todo mundo.

Meu sangue árabe ferve
E a noite se despedaça
O muro em Jerusalém
O vidro na passeata.


Eu tenho ainda mais a dizer sobre esse assunto. Aguardem, vou elaborar. Enquanto isso, para ouvir a canção:

http://www.myspace.com/juliadebasse

Salam & Shalom,
J. Debasse

11.8.06

(é meio bobo, mas é por isso que eu gosto dele).

Sweet Again

My sweet baby by my side,
The dog on the back seat,
He's the travellin' kind
But now he's riding with me.
The sun shines on high,
There's no sign of rain,
If feels like the right time
To be sweet again.

I made a lame joke
But we both laughed -
His eyes on the road,
His hand on my leg.
When Buddha smiles
You just say Amen,
It sure feels good
To be sweet again.

Let's open those windows
For it's a hot summer’s day,
He just loves when the wind
Moves my hair this way.
He's arm around me -
I might kiss his hand-
It all tastes sweeter
When you're sweet again.

We'll stay in some hotel
With an empty mini bar,
To leave too much behind
You don't have to go too far.
I still sing along
To the songs that we sang,
I don’t wanna be bitter,
I wanna be sweet again.

J.
Sleep Well, My Love

Your eyes are the sweetest
Expression of blue
That my weary sight
Ever gazed into.

May St Christopher keep you
And guide you by the hand
Right back into my arms
In St Sebastian´s land.

We know well that songs
Won´t ever change a thing,
But what can we do
If we can´t help to sing.

I sing of love and death,
I sing of praises and shame,
I sing to you sometimes
But I do not speak your name.

And when again you reach
Our lips sweet shore,
I´ll make it last awhile
Not knowing what I could want more.

J.
Vocabulário Estrangeiro

Numa noite quente
Lá em Salvador,
O gringo me perguntou:
"What’s the meaning of kicalô?"

Eram os uru-burus, coiote,
Sobrevoando o ja-ja botânico,
foi o calor, baby
Lief, foi o calor.

J.
Nomes Para Os Meus Filho

Meninos:

1- Jorge
2- Ulisses
3- Ciro
4- Sebastião
5- Antônio


Meninas:

1- Clarice
2- Carmem
3- Sara
4- Rosa
5- Leila

Não pretendo ter 10 filhos de sexos pré-selecionados - mas gosto de ter muitas opções.


J.